Maria Angélica Carrard Benites*
Na iniciativa privada, o profissional que luta pelo incremento da sua remuneração logo
obtém o título de empreendedor. Ao magistrado, por sua vez, imputa-se a ideia de que
suas necessárias equidade, sabedoria, abdicação, humildade retiram-lhe a faculdade
de lutar, não pelo incremento, mas pela preservação de sua remuneração – aviltada,
há seis anos, pela insuficiência e, posteriormente, ausência de reajuste.
A posição de não participação na Semana Nacional de Conciliação, como forma de
protesto contra a desvalorização das carreiras da magistratura, não é negativa de
jurisdição, tampouco merece o aplauso da sociedade – que é evidentemente lesada
diante da suspensão da prestação célere e eficiente realizada cotidianamente pelos
magistrados federais e trabalhistas em todo o país. Postura tal revela, isso sim, a
visão que a sociedade tem da figura do juiz: um ser invisível. Não tem necessidades,
nem contas a pagar, nem pretensões de qualquer ordem; nada lhe é legitimado além
do desejo desapegado de prestar a jurisdição do modo mais discreto possível, quase
inodoro. Não obstante a capacidade intelectual e técnica, de profissional não se
trata. Reclamar salário soa como heresia. Exatamente por isso, somente se lhe
percebem a presença quando deixa de atuar. Infelizmente. O impacto da não
realização de milhares de audiências de conciliação pelo Brasil afora deve ser visto
como um convite à reflexão: Que juiz a sociedade quer ter?
Em tempos de mensalão, em que a cúpula do Poder Judiciário atua de forma
televisionada, até o mais distraído cidadão consegue perceber a importância de
termos juízes independentes, corajosos, instruídos e verdadeiramente
comprometidos com o ideal de justiça. Aliás, ideal esse que tem um alto preço –
todo juiz (de carreira, ao menos) é uma pessoa que dedicou muitas e muitas horas
de sua vida aos estudos; que vive em um certo grau de isolamento social, posto que
está sempre contrariando interesses; e que, por imposição constitucional, abriu mão,
definitivamente, de ser um empreendedor, pois, além de juiz, somente poderá exercer
um cargode professor.
O sucateamento das carreiras da magistratura já está levando bons profissionais
para outras bandas, deixando como legado um Poder Judiciário enfraquecido, despido
de sua melhor definição, que é a independência.
A forma como a magistratura vem sendo tratada pela sociedade, pelos poderes
Executivo e Legislativo, é o próprio gol contra; contra os legítimos interesses de
todos os cidadãos.
.*Juíza federal substituta, Vara do Juizado Federal Previdenciário de Passo Fundo