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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A MANIPULAÇÃO DO CONSENSO

 
ZERO HORA 08 de novembro de 2012. ARTIGOS

Túlio Martins*

No Século de Péricles, a cidade de Atenas não tinha um governo semelhante 
ao que hoje vemos nas principais democracias do mundo, formado através da
eleição dos governantes pelo voto. No sistema de então, os representantes do
povo eram escolhidos entre a população pelo critério do sorteio. Quando algo
importante acontecia, os arautos espalhavam a notícia pela cidade, a 
Assembleia do Povo se reunia e todos podiam fazer uso da palavra. A função 
das grandes lideranças políticas, entre as quais Péricles, mas também Efialtes,
Temístocles e tantos outros, era argumentar junto à população tentando 
convencê-la a tomar uma ou outra decisão.

A sinceridade e o improviso dominavam os debates, pois havia pouco espaço
para articulações políticas, ocultação de informações ou troca de favores. 
A necessidade de cativar os ouvintes através de uma argumentação 
consistente fazia com que os principais atributos de um líder fossem a 
credibilidade e a capacidade de convencimento. As deliberações da 
administração – o Conselho dos Quinhentos – eram levadas à assembleia, 
que proferia a palavra final e decidia sobre as proposições das lideranças e, 
também, de qualquer um do próprio povo. 
O modelo político ateniense era tão sofisticado, que permitia, por tal processo,
que todo cidadão apresentasse, caso quisesse, propostas que deveriam ser 
discutidas pelos demais. Tomada a decisão, os arautos a comunicavam pelas
ruas, anunciando a deliberação como um ato da cidade e dos atenienses.

Contudo, o sistema corria o risco de inviabilizar-se se não houvesse um 
controle mínimo sobre a razoabilidade das proposições, evitando perda de 
tempo com ideias bizarras ou questões irrelevantes. A solução encontrada 
foi a aplicação de penalidades àqueles que abusassem do direito com tolices
ou sugestões disparatadas.

Um outro perigo era o controle da população, levada em algumas ocasiões a 
deliberar de forma inconsequente e emocional, deixando de lado convicções 
interesses em troca de uma expectativa irreal ou de falsas soluções. 
Este aspecto perverso da democracia era explorado de forma implacável por 
políticos que compreendiam facilmente as carências, fraquezas e aspirações 
das pessoas e tratavam de apenas agradar-lhes, prometendo qualquer coisa, 
sem o menor compromisso com a verdade. Os atenienses a um só tempo os 
amavam e os odiavam, sabendo que eram enganados, mas não conseguindo
resistir ao pensamento mágico e aos encantos daqueles que eram chamados
de demagogos.

Quase tudo o que somos originou-se na inteligência luminosa dos gregos, 
em seus sábios, médicos, filósofos, físicos, teatrólogos, poetas e 
matemáticos. Mas deles também herdamos a demagogia, que tanto mal causou
a Atenas e continua presente em qualquer cena política; o poder sem escrúpulos,
alcançado e exercido pela simples manipulação do consenso, é uma ameaça 
permanente que somente pode ser enfrentada através da autocrítica e do 
reconhecimento sincero de nossas próprias fraquezas.


*Desembargador



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