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quarta-feira, 29 de março de 2017

Em que mundo estamos vivendo: o que tá acontecendo no país?

Em que mundo estamos vivendo o que t acontecendo no pas


Por José Herval Sampaio Júnior
Aparentemente esse texto não tem nenhum assunto em específico e ao mesmo tempo tem todos, pois para nós tem muitos temas conexos e o elemento central de tudo isso é o descontentamento de um modo geral que alguns cidadãos têm com o modo de se conduzir a administração pública e a corrupção deslavada que alguns insistem em dizer que não é regra geral em nosso país.
Entretanto, faz-se necessário a primeira indagação além das que nos condicionaram a escrever esse pequeno texto: Afora algum possível distúrbio mental, algumas ações, até mesmo criminosas, podem se justificar pelo quadro geral de insegurança que vivemos?
Insegurança de tudo nesse país. Depois de tantos escândalos que envolvem dinheiro público e administrações de vários gestores que possam ser discutíveis e até mesmo fora do padrão, o que pode levar as pessoas a agirem de forma totalmente contrária ao ordenamento jurídico para fazer valer o que acham correto?
Estamos em um momento em que os valores básicos estão totalmente invertidos? Tá todo mundo louco e ninguém faz nada? Ou é para fazer individualmente já que não fazemos de modo organizado e coletivo?
Sinceramente, não temos respostas precisas, talvez, para nenhuma das indagações, contudo os questionamentos são mais do que pertinentes, pois o país atravessa uma fase totalmente diferente e louca em todos os sentidos.
Não posso negar que o fato imediato que nos levou a escrever este texto foi o fato de um servidor público do Ministério Público do Rio Grande do Norte, aparentemente pacato e ordeiro, palavras ditas pelo próprio Procurador Geral de Justiça, vítima com outros dois membros do MPRN, que foram inclusive baleados, de um atentado contra as suas vidas. E o foram porque, eis a questão?
O fato está sendo investigado e teremos com certeza diversos outros capítulos, não sendo nosso escopo buscar em específico o que levou um servidor público a um ato desse, (Aqui alguns detalhes) contudo a partir desse peculiar fato, será que não devemos perquirir sobre tudo isso? É insanidade de toda a sociedade? Porque chegamos nesse nível?
Mais uma vez não tenho as respostas, mas continuarei indagando porque estou assustado como creio que muitos brasileiros estão. Isso não é normal. Como deixamos que as coisas chegassem a esse nível?
É realmente assustador quando as pessoas resolvem resolver problemas que aparentemente não são só seus de uma forma desesperada como a que aconteceu na sede do Ministério Público potiguar. Quantos outros servidores não estão pensando a mesma coisa?
Se fizeram contra três membros do Ministério Público, que sequer são políticos e em tese estão cumprindo a Constituição e as leis de forma técnica, sem nenhum interesse politiqueiro, o que pensar que as pessoas pensam em fazer com alguns políticos que teimam em continuar fazendo as práticas corriqueiras desde sempre e que agora não são mais aceitas?
É muita loucura mesmo não é? Será?
Não tenho menor conhecimento médico e nem mesmo científico para afirmar que dada pessoa faz isso pela questão clínica, contudo penso que este estado de coisas fora do padrão tem a ver com o conjunto de ações isoladas que acontecem sem que nos preocupemos com a segurança jurídica do que fazemos.
Não há mais estabilidade em nada. Tudo pode ser feito, até mesmo porque não sabemos o que é certo e errado. Não sabemos o que vai acontecer se agirmos de um jeito ou de outro. Ou se deixarmos de agir.
Nos preocupamos com várias coisas, mas olvidamos justamente do que nos pode trazer a convivência harmoniosa e respeitosa, os limites de nossas ações ou omissões. Será que não os perdemos?
Alguns líderes formais ao invés de buscarem nos convencer pela autoridade do argumento, nos impõe a sua vontade pelo argumento de suas autoridades. E o pior são várias vontades e sequer podemos seguir todas.
Nem que a gente queira segui-las, até mesmo por receio de sermos punidos, não podemos, pois são tantas e as vezes contraditórias, que chega um momento em que atenderemos umas e outras descumpriremos. E aí o que fazer?
Não há como servir a vários Deuses sem desagradá-los e é ai que reside o nosso problema, pois em que pese achar que não vamos encontrar uma pessoa só que possa nos guiar para o correto, penso que os exemplos positivos devem ser aplaudidos, porém são tão poucos, que até mesmo desconfiamos.
Devemos buscar segurança, não só a jurídica, mas a plena estabilidade de nossos valores perdidos.
Não temos mais referencial de nada e isso me amedronta, pois o que vou dizer a minha filha de 08 anos e ao meu filho que está por vir.
Eu não posso precisar o que vocês querem dizer aos seus filhos, netos, etc, mas eu quero transmitir aos meus valores que eles possam seguir com a maior estabilidade possível, mesmo tendo a certeza de que a vida é efêmera e que estou a escrever agora e posso sequer não terminar mais esse texto, mas tal fato não pode nos impedir de buscar a estabilidade necessária para a vida em coletividade.
Será que o fato noticiado aqui foi só loucura e deve ser tratado de forma tópica pelos médicos ou cientistas?
Penso que não e posso estar falando a maior bobagem do mundo, mas tenho que dizer o que penso. Ou será porque sou juiz não posso falar o que penso sobre temas gerais como esse?
Até isso estão querendo nos tirar, o direito de nos expressar. Eu não posso e aí tenho certeza disso é fazer o que foi feito pelo servidor porque não concordo com ações de alguns gestores. Isso sim é errado e não pode ser admitido. E não pode porque o ordenamento jurídico criminaliza tal atitude e quando ocorre, a lei deve ser cumprida e muitas vezes não é.
E para nós o problema reside justamente aí, a lei não vem sendo cumprida objetivamente.
A lei está sendo cumprida de um modo geral ao talante daqueles que a interpretam, A partir dessa interpretação, encontramos o que queremos subjetivamente. As vezes apontamos o resultado antes e corremos para fundamentar a nossa escolha arbitrária sem qualquer preocupação com o que objetivamente estava posto no texto normativo.
Desse jeito não vamos nunca ter estabilidade. Segurança jurídica nem pensar.
Precisamos urgentemente rever os nossos valores e conceitos. A corrupção aceita por tantos anos em nosso país, já não é mais tolerada como outrora. Isso por si só deveria conduzir a uma mudança radical de pensamento e ações de nossos políticos.
E o que estamos vendo?
Um conjunto de ações no mínimo polêmicas para não dizer outra coisa, justamente porque não estamos buscando o básico. Reforma da previdência brusca junto com projeto de terceirização ampla, as quais indiscutivelmente mexerão na vida de muitas pessoas e sem que tenhamos a mínima certeza de que estamos no caminho certo.
Agora, indiscutivelmente vimos mais uma manobra na reforma política. E aí a grande pergunta que sempre faço e que respondi claramente na última que disseram que era reforma. Não era reforma e pelo jeito não será mais uma.
E porque respondo com tanta precisão e a esse tema ainda voltarei muitas vezes, porque não mexe na estrutura de poder pelo poder que os mantém durante tanto tempo e que eles querem justamente agora mais uma reforma para se esconder e se perpetuarem nele.
Mas aí se indaga, é muita cara de pau?
Eles não estão nem aí pra isso, agem descaradamente para continuar a se satisfazer da máquina estatal e o povo que se lixe de um modo geral. Agora será que algumas pessoas aguentarão tudo isso?
Essa é a grande pergunta e que não temos resposta por todos.
Agora darei a minha: eu particularmente, não por ser juiz e sim cidadão cumpridor de meus deveres e ativo implementador de meus direitos, continuarei a agir com a fala, sem que ninguém me cale, mas nunca agindo de modo louco e insano como se tal ação resolvesse quaisquer dos problemas.
Não resolve e pelo contrário, mostrará aos que continuam descumprindo descaradamente os valores objetivos do ordenamento, que podem continuar assim agindo, já que faltando ações ordenadas de cidadania, sempre teremos alguém para taxar de louco e mostrar que tudo está sendo feito como se fosse correto.
Quando isso vai mudar não sei, mas só sei que ninguém mudará o que penso ser certo quanto ao direito de me expressar, independentemente de eu estar certo ou errado quanto ao mérito do que falo, já que esse mérito em relação ao meu direito de cidadão é meramente acessório.
Então, bem melhor que todos possam agir como eu ajo com a certeza de estar certo de puder me expressar do que agir como criminoso e descumprir valores que se não fossem tantos desatinos não teríamos tantas pessoas se tornando como tais por atos nunca imaginados.
Que possamos refletir sobre toda essa loucura com a razão necessária para a mudança que se exige.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Idiota à brasileira

Ele fura fila. Ele estaciona atravessado. Acha que pertence a uma casta privilegiada. Anda de metrô - mas só no exterior. Conheça o PIB (Perfeito Idiota Brasileiro). E entenda como ele mantém puxado o freio de mão do nosso país

Ele não faz trabalhos domésticos. Não tem gosto nem respeito por trabalhos manuais. Se puder, atrapalha quem pega no pesado. Trata-se de uma tradição lusitana, ibérica, reproduzida aqui na colônia desde os tempos em que os negros carregavam em barris, nos ombros, a toilete dos seus proprietários, e eram chamados de "tigres" - porque os excrementos lhes caíam sobre as costas, formando listras.
O Perfeito Idiota Brasileiro, ou PIB, também não ajuda em casa. Influência da mamãe, que nunca deixou que ele participasse das tarefas - nem mesmo pôr ou tirar uma mesa, nem mesmo arrumar a própria cama. Ele atira suas coisas pela casa, no chão, em qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho. Não é com ele. Ele foi criado irresponsável e inconsequente.
É o tipo de cara que pede um copo d'água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de mudar. O PIB é especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar com a barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele. Então ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora nos outros, não reconhece obrigações e adora levar vantagem. Esse é o seu esporte predileto - transformar quem o cerca em seus otários particulares.
O tempo do Perfeito Idiota Brasileiro vale mais que o das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de carros no colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes no shopping. É o casal que atrasa uma hora para um jantar com amigos. As regras só valem para os outros. O PIB não aceita restrições. Para ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito divino - porque ele é melhor que os outros. É um adepto do vale-tudo social, do cada um por si e do seja o que Deus quiser. Só tem olhos para o próprio umbigo e os únicos interesses válidos são os seus.
Idiota brasileira
O PIB é o parâmetro de tudo. Quanto mais alguém for diferente dele, mais errado esse alguém estará.
Ele tem preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos, gente do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba. Mesma lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às vezes até quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da sua maledicência. A discriminação também é um jeito de você se tornar externo, e oposto, a um padrão que reconhece em si, mas de que não gosta. É quando o narigudo se insurge contra narizes grandes. O PIB adora isso.
O PIB anda de metrô. Em Paris. Ou em Manhattan. Até em Buenos Aires ele encara. Aqui, nem a pau. Melhor uma hora de trânsito e R$ 25 de estacionamento do que 15 minutos com a galera do vagão. É que o Perfeito Idiota tem um medo bizarro de parecer pobre. E o modo mais direto de não parecer pobre é evitar ambientes em que ele possa ser confundido com um despossuído qualquer. Daí a fobia do PIB por qualquer forma de transporte coletivo.
Outro modo de nunca parecer pobre é pagar caro. O PIB adora pagar caro. Faz questão. Não apenas porque, para ele, caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente, porque caro é sinônimo de "cheguei lá" e "eu posso". O sujeito acha que reclamar dos preços, ou discuti-los, ou pechinchar, ou buscar ofertas, é coisa de pobre. E exibe marcas como penduricalhos numa árvore de natal. É assim que se mostra para os outros. Se pudesse, deixaria as etiquetas presas ao que veste e carrega. O PIB compra para se afirmar. Essa é a sua religião. E ele não se importa em ficar no vermelho - preocupação com ter as contas em dia, afinal, é coisa de pobre.
O PIB também é cleptomaníaco. Sua obsessão por ter, e sua mania de locupletação material, lhe fazem roubar roupão de hotel e garrafinha de bebida do avião e amostra grátis de perfume em loja de departamento. Ele pega qualquer produto que esteja sendo ofertado numa degustação no supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PIB gosta de pagar caro, mas ama uma boca-livre.
E o PIB detesta ler. Então este texto é inútil, já que dificilmente chegará às mãos de um Perfeito Idiota Brasileiro legítimo, certo? Errado. Qualquer um de nós corre o risco de se comportar assim. O Perfeito Idiota é muito mais um software do que um hardware, muito mais um sistema ético do que um determinado grupo de pessoas.
Um sistema ético que, infelizmente, virou a cara do Brasil. Ele está na atitude da magistrada que bloqueou, no bairro do Humaitá, no Rio, um trecho de calçada em frente à sua casa, para poder manobrar o carro. Ele está no uso descarado dos acostamentos nas estradas. E está, principalmente, na luz amarela do semáforo. No Brasil, ela é um sinal para avançar, que ainda dá tempo - enquanto no Japão, por exemplo, é um sinal para parar, que não dá mais tempo. Nada traduz melhor nossa sanha por avançar sobre o outro, sobre o espaço do outro, sobre o tempo do outro. Parar no amarelo significaria oferecer a sua contribuição individual em nome da coletividade. E isso o PIB prefere morrer antes de fazer.
Na verdade, basta um teste simples para identificar outras atitudes que definem o PIB: liste as coisas que você teria que fazer se saísse do Brasil hoje para morar em Berlim ou em Toronto ou em Sidney. Lavar a própria roupa, arrumar a própria casa. Usar o transporte público. Respeitar a faixa de pedestres, tanto a pé quanto atrás de um volante. Esperar a sua vez. Compreender que as leis são feitas para todos, inclusive para você. Aceitar que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e os mesmo deveres - não há cidadãos de primeira classe e excluídos. Não oferecer mimos que possam ser confundidos com propina. Não manter um caixa dois que lhe permita burlar o fisco. Entender que a coisa pública é de todos - e não uma terra de ninguém à sua disposição para fincar o garfo. Ser honesto, ser justo, não atrasar mais do que gostaria que atrasassem com você. Se algum desses códigos sociais lhe parecer alienígena em algum momento, cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus do PIB. Reaja, porque enquanto não erradicarmos esse mal nunca vamos ser uma sociedade para valer.

terça-feira, 17 de março de 2015

A corrupção no cenário brasileiro

Publicado por Clarissa Tonini -

A corrupo no cenrio brasileiro

Introdução

Dentre as inúmeras variáveis que favorecem a perpetuação da corrupção no Brasil está a enorme distância entre a lei e realidade da população brasileira. De fato, a realidade da efetivação das garantias constitucionais está bem distante para aqueles que até possuem cidadania "política", mas sequer estão próximos de atingir de fato a cidadania "civil". Para estes que estão à margem da sociedade brasileira, a lei é uma realidade distante. O presente artigo tem como finalidade expor os fatos que levaram a inserção e a legitimação da corrupção no Brasil tendo como amparo o modelo desigual de acesso à justiça aos menos favorecidos.

O papel da apatia política da sociedade como forma de legitimação da corrupção no Brasil

A corrupção decididamente não é um fato que surgiu nos últimos anos, na verdade está presente no Brasil há muitos séculos e acompanha desde então as discussões em todos os âmbitos do país. Segundo Emerson Garcia, a corrupção, em seus aspectos mais basilares, reflete a infração de um dever jurídico posicional e a correlata obtenção de uma vantagem indevida (Garcia, 2011, p.1).
Portanto, a corrupção é uma velha conhecida da sociedade brasileira, desde a época do império passando pela República e Era Getúlio até os dias atuais, conforme descrito por Carvalho no seguinte fragmento de texto,
No século XIX, os republicanos acusavam o sistema imperial de corrupto e despótico. Em 1930, a primeira república e seus políticos foram chamados de carcomidos. Getúlio Vargas foi derrubado em 1954 sob acusação de ter criado um mar de lama no Catete. [...] (Carvalho, 2009, p.1)
Logo, desde sempre a corrupção vagueia pelos meandros da nossa sociedade, atingindo todos os tipos de classes sociais, sobretudo as menos favorecidas.
Infelizmente existe um abismo muito grande entre a lei, ou seja, aquela que está positivada na Constituição da Republica Federativa do Brasil e a realidade das classes sociais menos favorecidas, que sobremaneira não tem acesso a cidadania e justiça na prática.
Este também é um problema que permeia a história do Brasil, conforme citado por Carvalho:
Até a metade do século XX, para quase toda a população rural, que era majoritária, a lei do Estado era algo distante e obscuro. O que essa população conhecia bem era a lei do proprietário. (Carvalho, 2009, p.2)
Na verdade, sempre foi assim, aqueles que têm maior poder de troca, a favor da maquinaria capitalista são favorecidos e tem acesso à justiça, já aqueles que não contribuem para a reprodução do capital têm pouco ou nenhum acesso à justiça e menos ainda direito de requerer participação política.
Faz se mister aqui ressaltar a importância de separar dois significados de acesso à justiça: primeiramente como acesso ao poder judiciário e em segundo como acesso à justiça como valor. Logo, conforme os ensinamentos de Mauro Cappelletti, acesso à Justiça é (1988, p.8)
[...] o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. [...] deve ser igualmente acessível a todos [...].
Por conseguinte, conforme visto ao longo da história do Brasil, desde os primórdios, sempre existiram aqueles que têm "verdadeiro" acesso à justiça e aqueles que não sabem sequer seus direitos, muito distantes de ter efetivo acesso à justiça.
Carvalho (2009, p.2) destaca a distorção da semântica de “agente da lei” em diferentes âmbitos da sociedade,
"Nas grandes cidades, sobretudo em suas periferias, o agente da lei próximo à população era, e ainda é, o policial militar ou civil, cujo arbítrio e violência são conhecidos".
A luz disso pode-se concluir que nas periferias, ao contrário do que acontece nos bairros nobres, há uma inversão do papel de agente da lei, não como aquele que protege e dá segurança, e sim, como aquele que repreende e aplica a violência. Para este povo acesso ao poder judiciário é uma utopia.
No texto de Boaventura de Souza Santos, isto é bem evidenciado quando perguntado aos moradores de “Pasárgada” por qual motivo eles não chamam a polícia quando tem problemas. Este relato é observado no trecho de "Notas sobre a história jurídico social de Pasárgada" (1980, p. 111),
[...] "a polícia continua a desempenhar um papel mínimo na prevenção e na resolução de conflitos. Não obstante os seus esforços no sentido de uma aceitação mais positiva por parte da comunidade, continua a ser vista por esta como uma força hostil investida de funções estritamente repressivas".
Para os moradores da favela do Rio de Janeiro, a polícia não está lá para protegê-los, ao contrário do que pensaria, por exemplo, um morador do Leblon. Na verdade, a polícia cumpre o papel de repreendê-los e está ali para vigiá-los, além disso, eles próprios se sentem distanciados e se vêem como marginalizados.
Logo, fica claro que a eficácia da norma jurídica alcança somente determinada classe social. Esse problema tem raízes profundas, ou seja, são frutos da herança colonial como cita José Murilo de Carvalho em Cidadania no Brasil – um longo caminho,
"A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado" (Carvalho, p.45, 2004).
Percebe-se que a negação dos direitos fundamentais, principalmente os civis, encontra seu fundamento de validade nas raízes podres da herança colonial e da escravidão, que se dissipou ao longo dos anos até legitimar a ação dos mais “poderosos” na prática da corrupção, subjugando os menos poderosos a sorte da lei que para eles não é aplicada com o ideal de justiça, qual seja dar aquilo que cada um merece.
Logo, diante da crescente diferença entre as classes abarcadas pelo modelo capitalista infiltrado na sociedade, o grande marco foi a busca desenfreada por mais e mais lucros. E por que não lucrar em cima dos mais fracos?
A sociedade brasileira sofre os abusos das classes altas que geralmente são aquelas que representam a maior parte dos membros do Congresso Nacional. Ao contrário do que vislumbrava Rousseau, "uma democracia como ideal que protege a política dos usurpadores e incentiva a participação popular", é instalada na sociedade brasileira, a apatia política. Neste contexto segundo Rousseau (1983):
"Há uma sociedade desigual cuja igualdade vai se concretizar no Estado, local onde os elementos desiguais acordam entre si para a criação de um Estado da natureza capaz de suprimir os elementos limitativos da desigualdade reinante entre os homens".
Originariamente, o brasileiro sempre foi considerado por muitos como politicamente apático, e neste sentido parecia não se importar com o crescimento desenfreado da corrupção. Entretanto, o que se espera diante dos últimos acontecimetos no cenário da política brasileira, é um verdadeiro despertar social no sentido de cobrarmos verdadeiramente uma democracia participativa que se dê de forma consciente e atuante.
Os laços sociais precisam ser definitivamente reestabelecidos e acabar de vez com a institucionalização do individualismo, com o interesse privado ou individual se sobrepondo ao interesse coletivo. De fato, os representantes do povo brasileiro no Congresso Nacional defendem os interesses de uma minoria, eles próprios. É claramente o oposto do que Durkheim (1893) esperaria visto que o coletivismo deveria sobrepor os interesses individuais.
Por conseguinte, é árduo o caminho que leva a efetivação do acesso à justiça e à emancipação política para a maioria da população brasileira. Entretanto somente quando esse marco for atingido, será possível pensar no fim da corrupção, pois sem a participação efetiva de toda sociedade brasileira, especialmente daqueles que não tem acesso nenhum à justiça, o sistema político corrupto continuará esmagando as velhas entranhas apáticas do povo brasileiro.

Considerações finais

Independente de nossas raízes, o problema da corrupção é um mal que pode ser combatido se houver uma mudança de atitude da população brasileira no sentido de “descapitalizar” os ideais, ou seja, nunca conseguiremos uma democracia de fato se continuarmos apáticos politicamente. A norma jurídica deve ter o alcance equivalente para todas classes sociais sem fazer distinção de cor, raça, sexo, conforme os direitos fundamentais da Carta Constitucional, proporcionando desta forma acesso à justiça com efetividade a todos.
* Colaborador: Dr. Miguel Ângelo Martin - Advogado e Administrador de Empresas.
Fonte: JusBrasil

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A corrupção como recurso para o sistema

A história do Brasil é uma narrativa de mandonismo e de obediência. Desde a Colônia, nós somos o desdobramento da vontade dos donos do poder territorial, econômico e jurídico. Os senhores de terra, e posteriormente os detentores de outros recursos (industriais, financeiros, midiáticos etc), estabeleceram uma hierarquia e do topo dela têm escrito e controlado a nossa história política.
Os mandões criaram uma estrutura de dominação clientelista que chegou ao auge nos tempos do coronelismo. Essa prática de relação política consolidou-se durante a Primeira República (1889-1930), medrando do meio rural e pequenas cidades até a capital do País. O termo “coronelismo” tem origem nos coronéis da Guarda Nacional (criada em 1831), mas coronel foi generalizado pelo povo como título de chefe político.
Essa corporação foi implantada em todos os municípios brasileiros; não obstante ter sido militar, era uma expressão do poder civil. A autoridade sobre o regimento local, exercida sob a patente de coronel, era entregue a um chefe político. Esses chefes, que já eram donos de fato do lugar, ao receberem um poder militar legalmente reconhecido, mais legitimavam o poder de mando, consolidando prestígio pessoal.
A Guarda Nacional foi extinta já em 1889, antes, pois, da República Velha, mas o poder angariado pelos coronéis não morreu. Era dessa gente o poder político, econômico e jurídico. Esse sistema ficou arraigado nos nossos costumes. A hierarquia de cabo eleitoral, de chefe de distrito, de coronel, se não sobrevive com a mesma pujança, perdura como um fundo que infesta o sistema eleitoral até nossos dias.
Ainda hoje, a substituição de partido político no comando do governo em qualquer nível não leva à troca de método governativo. Antigamente, é verdade, havia mais coerência no sistema: os que perdiam as eleições compreendiam perfeitamente que “agora é a vez deles”. Então, resignadamente, os derrotados se punham a militar pelo retorno ao poder e ao cofre público.
Nos tempos dos coronéis, os mandões, se vencedores, sustentavam os seus com os meios do erário; fora do poder, mantinham a “sua gente” com os próprios bolsos. A questão de honra pública nacional nunca foi o pertencimento cívico a uma ideologia partidária, mas o alinhamento a um potentado local. Ser marcado e reconhecido como alinhado a um coronel nos bons e maus tempos era um sinal de dignidade.
Atualmente, alguns dos que estão fora do poder protestam, mas não no relevante. Note-se, por exemplo, que na CPMI que investigou a roubalheira na Petrobrás alcançou-se o acordo de não quebrar o sigilo das empresas envolvidas. Suponho que se o fizesse seria encontrado nos dutos de propina o nome de parlamentares das mais variadas greis partidárias, de situação e de oposição.
É isso que somos: um país movido a interesses intermediados por políticos. Já não temos os coronéis, mas preservamos uma mentalidade clientelista. Nossas eleições não são episódios que atraiam por embates de pensamentos, mas por interesses. Um governante não é eleito como um pensador ou um gerente do Brasil, mas como um intermediário de negócios, um despachante de interesses.
Sem ilusão, político que não gasta não se elege e, salvo exceção, político que não rouba não tem para gastar. E o povo, regra geral, não quer saber de ideia, quer a parte dele. O povo é tocado a marketing, promessas, favores e valores, sejam os valores privados, tirados do bolso do político que roubou ou vai roubar, sejam os valores públicos, levados pelas bolsas que o PSDB inventou e que o PT fatura.
E a tudo se justifica, na lógica de nossos hábitos. Não há petista que reconheça que seu partido roubou (sim, não é só o PT) da Petrobrás, apesar das evidências e mesmo das confissões; todo petista alega julgamento político do Mensalão, apesar de os ministros do STF terem sido nomeados por Lula e Dilma. Não há petista que reconheça que essas verbas bilionárias moveram a eleição e reeleição de Dilma.
Ao tempo da Ditadura, o Nordeste ganhava favores e votava na Arena; os nordestinos eram execrados como alienados pela “esquerda”. Hoje o Nordeste “retribui” em votos o “reconhecimento” pelos benefícios públicos que lhe são dirigidos. É o mesmo clientelismo, mas a esquerda, hoje, nomeia esse hábito de consciência eleitoral. Somos isso e nos justificamos. Não vai ser fácil superar a nossa própria história.
Por Léo Rosa
Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, Psicólogo e Jornalista.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Corrupção, um dilema político ou humano?

Quem "rouba" uma caneta, "rouba" um país, pois ser honesto não tem tamanho.


Nosso Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou neste mês de abril/14 aumento no número de brasileiros filiados a partidos políticos. Segundo registros da Corte, de outubro/13 para ca 64.455 novas filiações foram processadas, praticamente 10 mil novos filiados por mês.
Temos hoje 15.329.320 cidadãos filiados às 32 siglas partidárias ativas, correspondendo a 7,6% da população. Será que isso é muito, ou pouco, num país de 200 milhões de habitantes?
No Brasil, a única forma de participar da política é através da filiação partidária. No nosso atual formato, candidaturas independentes, os “sem partido”, não têm espaço. Por quê? Simples, o partido é a manifestação ideológica de um grupo de militantes, que através do processo eleitoral e do alcance do poder político, levarão propostas de melhoria social para votação (legislativo) e aplicação (executivo).
A Lei dos Partidos Político, Lei 9.096/95, em seu artigo primeiro, torna isso bem claro:
“Art.  O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.”
Apesar disso, é comum ouvirmos: “Não gosto de política”, “Políticos são corruptos”, etc.
À primeira questão, é preciso refletir o seguinte: a política, muito debatida e amplamente criticada, é o único meio de criação e implantação de projetos que realmente venham a mudar a vida das pessoas. Escolas, postes de luz, pontes, ruas, atendimento sanitário, saúde pública, e tantas outras questões, dependem do gestor público e do legislador para serem colocadas em prática. Não bastasse isso, não gostar de política é uma grande inverdade. Todo ser humano faz política desde que nasce, assim que chora pela primeira vez, manifestando suas necessidades e negociando formas de atendê-la. A criança ou o jovem que se torna representante de classe, defende o interesse de um grupo (os alunos) perante algo maior (escola), e isso é manifestação política. O morador que se torna presidente de bairro, ou síndico de condomínio, e luta por redução de custos, organização da vida coletiva, também defende seu grupo (moradores). A dona de casa que sai às compras e negocia descontos em nome da economia familiar, também defende interesses de um grupo (a família). A política, por assim dizer, está na natureza humana.
Quanto à segunda questão, corrupção, na verdade, o problema não está na política, e sim, no ser humano. Não podemos colocar a política como vilã quando ela é apenas consequência, e não causa. A causa somos nós, homens e mulheres. Somos nós que precisamos melhorar nossos valores, nossas atitudes, para, assim, melhorarmos a política. Tem um ditado que diz: "quem pode o mais, pode o menos". Então, quem "rouba" uma caneta, "rouba" um país, pois ser honesto não tem tamanho.