Mentes que visitam

sábado, 31 de dezembro de 2011

Ser ou não ser?


Em meus vinte poucos anos o que de mais importante extraí das experiências que tive é que não importa o quanto você se esconda, não interessa quantas desculpas você crie, quantas culpas você secrete, quantas mentiras você conte ... isso jamais mudará o que você é. Todos os universos e máscaras que você apresenta ao grande público nunca poderão te proteger de você mesmo e, principalmente, dos efeitos inerentes de cada uma de suas escolhas.

O lado bom de aceitar isso como a incontestável natureza da vida é que você não perde mais tempo se dedicando a impressionar, a causar impacto, a pintar uma frágil figura aquarelável que nada reflete quando exposta ao mais límpido dos espelhos, seus próprios olhos. Você percebe que o único que irá te julgar é você mesmo e, ao mesmo tempo, percebe que nenhum juiz conseguiria sinalar tamanha severidade em seus juízos. É a conquista da liberdade absoluta. É o poder incontestável.

Entretanto, isso termina com todas as velhas desculpas para qualquer que seja a situação. Não há vítimas, não existem culpados ou inocentes, sobram apenas suas decisões e o caminho irreversível que, com as próprias mãos, você traçou para si próprio. A auto-piedade torna-se ineficaz porque tudo que existe passa a ser reflexo direto do que você determinou que seria. O momento que você percebe e aceita tamanha responsabilidade sobre si mesmo, que passa a diferenciar a distinta relação simultânea de autor e narrador da sua vida, é, provavelmente, o mais significativo e solitário momento. Todavia, é o mais precioso encontro que você terá consigo mesmo e com a própria condição existencial dos seres.

Aceitar tudo isso ou não, também como o resto, é apenas uma possibilidade. Faça sua escolha.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Redes sociais: liberdade de expressão ou abuso?



Os brasileiros são campeões em solicitação de retirada de conteúdo do ar na internet e redes sociais. Por que será?A liberdade de expressão precisa ser não apenas exercida, mas ensinada nas escolas. Como se expressar de forma ética e juridicamente correta? Como manifestar sua opinião, seu direito de protesto, sua reclamação de consumidor sem que isso se transforme em um abuso de direito. O limite entre liberdade e prática de crime é bem sutil. E faz toda a diferença a escolha do texto, qual palavra será publicada para expor no mundo, em tempo real, um pensamento.Precisamos, então, de inclusão digital com educação. Em um contexto de maior acesso a tecnologia com serviços que viabilizam compartilhar informações, produzir conhecimento colaborativo, deve-se saber também quais são as regras do jogo, que vão desde a proteção da reputação e imagem das pessoas até dar o crédito ao autor.Temos que preparar o cidadão da era digital, para que o crescimento do país se sustente no mundo sem fronteiras
Acredito que a grande maioria das pessoas não reflete muito sobre o que está comentando, publicando, ou melhor, documentando, nas redes sociais. E, infelizmente, é difícil exercer arrependimento, pois o conteúdo se espalha rapidamente, e se perpetua!A maioria dos casos de solicitação de retirada de conteúdo do ar envolve, principalmente: a) uso não autorizado de imagem; b) ofensa digital; c) exposição de intimidade excessiva (em especial no tocante a menores de idade); d) uso não autorizado de marca; e) uso não autorizado de conteúdo (em geral infringindo direitos autorais).
E então, eis uma questão relevante, como orientar os jovens, que estão na rede social, na grande maioria mentindo a idade? O problema da ética já começa aí. Os serviços destacam a responsabilidade dos pais darem assistência aos seus filhos nos ambientes digitais. Um pai leva um filho ao cinema, mas não sabe o que ele está fazendo na “rua digital”.
A tecnologia não tem um mau intrínseco. Talvez, esse nosso Brasil que está digital seja, de fato, mais transparente. Isso significa que somos assim mesmo, gostamos de nos exibir, de falar mal dos outros, fazer piadas de mau gosto, publicar fotos das pessoas sem autorização. Será? Ou a geração Y nacional é que não foi bem orientada, que não conhece as leis, que acha que não vai haver consequências de seus atos?
Temos que preparar melhor nosso novo cidadão da era digital, para gerar a própria sustentabilidade do crescimento econômico do país em um cenário de mundo plano, sem fronteiras. Para tanto, é essencial garantir a segurança das relações, a proteção dos indivíduos. Toda desavença social digital que possa virar uma ação de indenização, que acione a máquina da Justiça, gera prejuízos para toda a sociedade e não só para as partes envolvidas.
Devemos investir em duas políticas públicas digitais: a de educação e a de segurança. No tocante à primeira, deve-se inserir no conteúdo base da grade curricular do ensino fundamental e médio, das escolas públicas e particulares brasileiras, os temas de ética e cidadania digital, que devem tratar sobre: a) proteção da identidade (contra falsa identidade e anonimato); b) exercício da liberdade de expressão com responsabilidade (contra os abusos); c) uso correto de imagens; d) produção e uso de conteúdos digitais dentro das melhores práticas de direitos autorais (coibir plágio e pirataria).
Os jovens precisam aprender como fazer o dever de casa sem copiar o conteúdo alheio!
Quanto à questão da segurança, deve-se por certo criar um time responsável pela vigilância das “vias públicas digitais”, para identificação rápida de incidentes e para aumentar a prevenção. Se o cidadão está na internet, então o poder público e o poder de polícia têm que estar também. Com ambientes preparados, com alta disponibilidade e com medidas que garantam a proteção dos dados dos brasileiros.
O país ficou mais justo por meio da infovia, onde seus artistas passam a ter alcance mundial. Inclusive, uma pessoa qualquer pode ficar famosa em questão de segundos e, com isso, realizar um futuro sonhado antes restrito a poucos. A mobilidade trouxe mais empregos, mais negócios, e já alcança também as classes C e D. Permitiu, também, a redução de tarifas e custos, seja pelo uso do banco pelo celular ou mesmo do acesso aos serviços públicos na internet, mais rápidos, eficientes e com menos burocracia.
A conta ecológica também agradece, pois o uso da Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) permite reduzir o uso do papel. Bem como o ativismo ambiental também cresceu nas redes sociais chegando até a se financiar por meio de doações que ocorrem no modelo comunitário-coletivo do “crowd funding” (financiamento colaborativo). Mesmo a relação do eleitor-candidato ficou direta de fato! E essa memória coletiva, que fica residindo nas redes sociais mesmo após o pleito, é importantíssima para o amadurecimento das escolhas e do próprio exercício do voto. Isso é um ganho!
Claro que o grande investimento em infraestrutura dos últimos anos foi o que viabilizou um Brasil mais democrático, que permite acesso à informação por meio de uma internet banda larga. Sem isso, por certo não teríamos incidentes, nem pedidos de retirada de conteúdos do ar. Mas não podemos gerar analfabetos digitais. Não é só saber dar “click”, tem que ser educado e praticar o uso ético e seguro.
De todo modo, o mais importante não é ficar pedindo para tirar conteúdo do ar depois que o estrago já está feito, mas saber publicá-lo dentro de um modelo mais avançado de cidadania e respeito. Precisamos deixar de herança a vontade de criar e inovar. O uso do ferramental tecnológico tem que ser utilizado a serviço do bem social.

A autora, Patricia Peck Pinheiro,é advogada, especialista em direito digital, sócia fundadora da Patricia Peck Pinheiro Advogados e autora do livro “Direito Digital”.

O Homem Que Venceu Auschwitz

Como todos os livros que relatam atrocidades de qualquer guerra, em particular as do Holocausto, “O Homem Que Venceu Auschwitz” impressiona. Cria forte mal-estar ao retratar os requintes de crueldade de que um ser humano é capaz em relação ao próximo. Por outro lado, relembra como a solidariedade e a força de vontade podem mudar o curso da história de cada um. Nessa obra, o inglês Denis Avey, de 90 anos, ex-soldado e prisioneiro na Segunda Guerra Mundial, relata a experiência que viveu aos 20 a Rob Broomby, ex-correspondente da BBC em Berlim.

Se o testemunho de Avey sobre a guerra já é assustador, pior é a proximidade que teve com o campo de concentração de Auschwitz. Impressiona ainda mais a sua coragem de entrar naquela pequena amostra de inferno deliberadamente, após correr grande perigo e trocar de roupa com um de seus habitantes – se é que assim se pode chamar quem foi obrigado a existir naquele lugar.
Ainda assim, quem abre o livro movido pelo título tem de ter alguma paciência. O relato detalhado da participação de Avey na guerra até ser feito prisioneiro pelos alemães e jogado no campo de trabalhos forçados vizinho a Auschwitz é cansativo. Minucioso demais. Até chegar ao ponto, o leitor tem de atravessar mais de cem páginas. Algumas revelações, porém, são fundamentais para entender o que o moveu a tomar atitude tão temerária.
Avey era um rapaz de pouco mais de 20 anos quando se alistou na guerra mais por espírito de aventura do que por patriotismo. Tinha boa educação e carregava no DNA um senso ferrenho de justiça. Passou pelos preparativos para entrar em combate e tomou consciência de que todos estavam sendo transformados em máquinas de matar. Por fim, viveu na carne a dureza dessa aventura, que se transformou em pesadelo ao lado da sua companhia em combate com os italianos na África.
Experimentou privações, doenças, medos e perdas até que foi feito prisioneiro por duas vezes. Na primeira, conseguiu escapar de forma espetacular do navio que o levaria à prisão e naufragou, deixando-o à deriva por dias até ir parar em algum ponto do litoral da Grécia. Na segunda, foi encerrado no campo de trabalhos forçados E715, bem ao lado de Auschwitz III.
A partir daí, a história toma outro rumo e provoca no leitor uma mescla de revolta com sentimentos de esperança ao ver que, mesmo nos locais mais desolados, ainda se pode encontrar resquícios de solidariedade. Avey protagonizou um desses casos ao trocar de lugar – por duas vezes, durante um fim de dia e uma noite – com um prisioneiro judeu chamado Ernst.
Ele decidiu se infiltrar no campo para depois testemunhar diante da humanidade o que acontecia lá dentro. E presenciou barbaridades, como um soldado bater na cabeça de um resistente jovem judeu e feri-lo até a morte. Ou o assassinato de um bebê, no colo da mãe, com o violento tapa de um agente nazista irritado com o seu choro.
Com o fim da guerra, os prisioneiros foram libertados – a descrição dessa libertação também é angustiante. Avey nunca mais viu Ernst. Por meio da irmã dele – para quem havia conseguido enviar notícias do irmão durante o confinamento -, soube que sobreviveu. Depois de viver na Inglaterra, Ernst se estabeleceu como comerciante bem-sucedido nos Estados Unidos.
Avey também recuperou a sua vida e se firmou. Casou-se, teve filhos e netos. Mas passou por um transtorno de estresse pós-traumático que o manteve calado sobre essa história por quase 60 anos.

Fonte: Cristina R. Durán

Mundo multipolar é ameaça para o dólar

 

Barry Einchengreen: “O governo americano não tem sido o guardião confiável de uma moeda internacional”

Moeda dominante há mais de meio século, o dólar enfrenta pressões crescentes que devem abrir espaço a unidades monetárias rivais, inclusive as de potências emergentes periféricas, como o Brasil. Esse é o cenário contemplado por Barry Eichengreen, professor de Economia da Universidade de Berkeley, na Califórnia, em Privilégio Exorbitante, seu livro mais recente.

A supremacia da moeda americana é incontestável. Usado em 85% das transações comerciais, o dólar responde por quase metade do estoque global de títulos de dívida e por 60% das reservas mantidas pelos bancos centrais. Tal domínio é herança de um passado de hegemonia econômica que se cristalizou depois da Segunda Guerra Mundial e se estendeu pelas décadas seguintes.
Foi nesse período que o poder do dólar deu aos Estados Unidos um “privilégio exorbitante” – expressão usada nos anos 60 por Giscard d’Estaing, então ministro das Finanças do presidente francês De Gaulle, e que Eichengreen tomou emprestada para título do livro.
Em que consiste o privilégio? A vantagem mais óbvia está relacionada ao fato de os Estados Unidos se darem ao luxo de pagar juros baixos por seus títulos públicos, que são atraentes ao capital internacional em busca de segurança. Assim, os americanos podem manter déficits externos que financiam seu crescimento. “É nisso que consiste o privilégio exorbitante”, afirma Eichengreen, um colaborador do “Financial Times” e do “Wall Street Journal” que escreve de forma cristalina, sem informações desnecessárias ao argumento.
O status especial do dólar, porém, vem sendo colocado em xeque. “O governo americano não tem sido o guardião confiável de uma moeda internacional”, avalia o autor. Para ele, o perigo é o crescimento descontrolado dos déficits orçamentários. Eichengreen identifica uma deterioração fiscal no país, decorrente de cortes tributários no início dos anos 2000 e de aumentos de despesas com saúde pública e guerras. O resultado é que a dívida do governo, equivalente a 40% do PIB antes da crise de 2008, deve atingir 75% em 2015, e isso sem contar as despesas crescentes com seguridade por conta do início da aposentadoria dos “baby boomers”, a geração nascida na explosão demográfica após a Segunda Guerra.
Quando essa situação estiver configurada, os investidores “compreenderão que as alternativas dos Estados Unidos, em última análise, se resumem a medidas para corroer o valor real da dívida, presumivelmente mediante inflação”. A nova realidade chegaria de maneira abrupta. “Investidores até então confiantes acordarão uma manhã e concluirão que a situação é irreversível. Correrão para a saída. As taxas de juros nos Estados Unidos dispararão. O dólar cairá. Os Estados Unidos sofrerão o tipo de crise que a Europa experimentou em 2010, mas ampliada.”
Eichengreen não acredita que esses eventos acontecerão amanhã. “Mas a experiência da Europa nos faz lembrar que provavelmente temos menos tempo do que supomos para tomar as medidas necessárias para evitá-los”, diz, em referência à correção da política orçamentária.
A ameaça ao dólar, portanto, viria de dentro, e não de fora dos Estados Unidos. A China, por exemplo, não teria interesse em desbancar o dólar. A razão é simples: dois terços das reservas chinesas, nada menos do que US$ 2,5 trilhões, estão em ativos denominados em dólar. Com isso, o país teria o poder de derrubar o dólar a qualquer momento. Bastaria se desfazer da moeda americana. Se não cogita fazer isso, é porque perderia tanto quanto os Estados Unidos com a desvalorização de suas próprias reservas.
Os chineses têm, sim, a veleidade de serem protagonistas do mercado financeiro internacional nos próximos anos. Mas isso não significa, argumenta Eichengreen, que o yuan se candidatasse a substituto do dólar como moeda internacional. Para isso, os chineses teriam que liberar o acesso de investidores estrangeiros a seus mercados e adotar um sistema cambial flexível, garantindo o fluxo de capital e a farta liquidez que o mercado espera de uma moeda internacional. Essa abertura, no entanto, implicaria mudanças num modelo de crescimento que vem dando resultado.
O autor recomenda, de qualquer maneira, que se preste atenção ao yuan. Se não como moeda de reserva dominante, pelo menos como moeda de reserva regional. Esse, aliás, é um dos pontos centrais do livro. Eichengreen considera uma falácia a crença de que há espaço para apenas uma moeda internacional. Há que se levar em conta, além do yuan, o euro e os direitos especiais de saque (DES) do FMI. A exemplo do dólar, essas moedas apresentam problemas. Se o yuan tem Estado demais, o euro tem Estado de menos, enquanto o SDR “é dinheiro de brinquedo”.
Num mundo unipolar, tais moedas não teriam maiores chances de se tornar referência internacional. O mundo, no entanto, lembra Eichengreen, é cada vez mais multipolar, sobretudo depois da crise de três anos atrás, “que salientou a fragilidade financeira dos Estados Unidos”. Hoje, faz mais sentido a coexistência de moedas relevantes do que o predomínio do dinheiro de um país que, se ainda é “o primeiro entre iguais”, deixou de ser hegemônico.
É nessa brecha que o autor vê um papel a ser desempenhado pelo real. O Brasil entra na equação, junto com a Índia, pelas condições demográficas favoráveis, quesito que elimina outros candidatos, como Rússia e Japão. O tamanho do país tem a ver com o potencial de liquidez dos mercados financeiros. “Assumindo a convergência crescente dos padrões de vida, a população será fator-chave na determinação do porte da economia.”
Mas, adverte Eichengreen, apesar da perspectiva positiva, o governo brasileiro teria que eliminar as restrições à participação estrangeira no mercado financeiro para que o real, como diz, despontasse no horizonte.

Fonte: Oscar Pilagallo: jornalista e autor de “A Aventura do Dinheiro”.

Austerlitz

Tela No Names, de Alice Lok Cahana

De pé ao meu lado o homem chorou. Logo antes da entrada da Capela Sistina, ainda na galeria de arte contemporânea, vi a emoção lhe apertar a garganta e abaixei a cabeça quando ele enxugou os olhos diante de “No Names”, tela de Alice Lok Cahana. Tela coberta de números, com exceção dos trilhos da ferrovia. Números dados aos judeus cujos nomes foram roubados em Auschwitz, onde ela desembarcou aos 15 anos de idade.

Jacques Austerlitz – o protagonista do livro Austerlitz, de W.G. Sebald (tradução de José Marcos Macedo, Companhia das Letras, 2008) – também viajou de trem para seu destino. Aos cinco anos de idade ele embarcou num Kindertransport, deixando Praga para ir à Inglaterra, onde seria adotado por um pastor calvinista e sua mulher.
Não só os comboios são comuns às vidas de Alice Lok Cahana e de Austerlitz. Ela perdeu seu nome aos 15 anos. Com a mesma idade Austerlitz aprendeu o seu.
Comboios, linhas férreas e estações. Na estação de Antuérpia, Jacques Austerlitz encontra o narrador, que abre o livro com as palavras: “Na segunda metade dos anos 60, viajei com frequência da Inglaterra à Bélgica, em parte por motivo de estudos, em parte por outras razões que a mim mesmo não ficaram inteiramente claras”. O narrador é um alemão exilado na Inglaterra, como o próprio W.G. Sebald, que se equilibra entre a pura invenção e a realidade enquanto passeia pela biografia, pelo ensaio e pelo romance.
Numerosas fotografias em preto e branco interrompem a leitura de um texto de quase 300 páginas e raríssimos parágrafos. Algumas delas são intrigantes e magnéticas, como a foto de Austerlitz aos cinco anos num disfarce suntuoso. A justificativa para as dezenas de fotografias que interrompem o texto advêm da ideia de que elas são uma espécie de ligação entre o passado e o presente. Mais do que isso, elas desafiam a noção de realidade do leitor, porque também elas são parte da ficção. Embora apareçam lado a lado com fotografias de fortificações, edifícios e lugares que existem de fato, o leitor sabe que Austerlitz é personagem fictícia e, portanto, as fotos também o são.
Jacques Austerlitz – professor de arte e literatura da Europa, “prisioneiro da clareza de suas reflexões lógicas e da confusão de seus sentimentos” – inicia com o narrador, na estação da estrada de ferro da Antuérpia, um diálogo incomum, permeado por longas digressões sobre arquitetura e outros temas. Nos anos posteriores a esse encontro, os dois voltam a se encontrar, quase sempre por coincidências bizarras. E 30 anos após o primeiro encontro, Austerlitz conta ao narrador a história de sua vida.
“Eu nunca soube quem sou na verdade”, começa ele. Em 1939, sua família o enviara para adoção ao Reino Unido, a fim de que escapasse à calamidade que se aproximava. Viajara sozinho para a casa dos pais adotivos na Inglaterra e, criado num vilarejo do País de Gales, só aos 15 anos descobriu que seu nome não era Dafydd Elias, mas Jacques Austerlitz.
Quando recebe essa revelação do diretor do colégio interno e pergunta o que isso significa, a resposta não lhe explica sua origem. O diretor se contenta em lhe dizer que Austerlitz é o nome de um lugar na Morávia onde Napoleão venceu uma batalha. Como poderia Austerlitz se sentir confortável com o nome que lhe tirava a individualidade, pois trazia à mente não a própria identidade, mas uma batalha famosa?
Cinquenta anos depois de sua chegada à Inglaterra, ele parte em busca de sua história. Recolhe memórias do passado e, na procura pelos pais desaparecidos, visita Praga, a cidade natal. Reencontra as paisagens e línguas da infância e a antiga babá, Vera Rysanova. Descobre que a mãe, enviada ao campo de Terezín e transferida para Auschwitz, ali morrera.
De Praga ele vai a Paris, em busca do pai, e de lá ao subúrbio de Drancy, de onde partiam trens para Gurs, vilarejo ao pé dos Pireneus e lugar do campo de morte, onde o pai fizera sua última parada. As excursões de Austerlitz envolvem perguntas e respostas bem mais duras do que as de Elizabeth Bishop em “Questões de Viagem”, no qual a poeta divaga sobre uma temporada no Brasil.
Susan Sontag, no ensaio “Uma mente de luto”, que versa sobre três romances de Sebald, anteriores a “Austerlitz”, observa que os narradores desses livros viajam “em certas missões de investigação, desencadeadas por uma lembrança ou por notícias de um mundo irremediavelmente perdido”. E escreve: “Viagens de um tipo ou de outro estão no centro de todas as narrativas de Sebald: tanto das peregrinações do próprio narrador quanto das vidas que o narrador evoca”. São viagens que libertam a mente para o jogo de associações, as aflições da memória, o desfrute da solidão. Não raro “é o regresso a um local com o intuito de tratar de um negócio inacabado, reconstituir uma memória, repetir ou completar uma experiência”.
O protagonista reúne histórias, fotos, desenhos, mapas, notícias e lugares na tentativa de encontrar sentido na própria história e Sebald constrói a vida interior de Austerlitz alternando a voz do narrador e a do protagonista. Embora a estrutura da narrativa pareça próxima da estrutura convencional, o leitor teria dificuldade de separar as diferentes vozes se não fosse a constante repetição de “disse Austerlitz”, a lembrá-lo de que lê uma narrativa de segunda mão. Algumas vezes, quando o segundo narrador reproduz a fala de uma terceira pessoa, o recurso é duplicado – “disse Vera, disse Austerlitz” – e assim prossegue o diálogo contínuo e sem travessão.
Tema central do livro é o tempo, que Jacques Austerlitz afirma não ter existência real: “O tempo é de todas as nossas invenções de longe a mais artificial e, por estar vinculada aos planetas que giram em torno do próprio eixo, não menos arbitrária do que seria, digamos, um cálculo baseado no crescimento das árvores [...] Se Newton realmente supunha que o tempo era uma corrente como o Tâmisa, então onde está a fonte do tempo e em que mar ele por fim deságua? [...] Por que o tempo fica eternamente parado em um lugar e voa e se precipita em outro?”
Austerlitz diz que nutre a esperança “de que nada do que nos conta a história seja verdade, o acontecido ainda não aconteceu, mas só acontece no momento em que pensamos nele, o que por outro lado, é claro, abre a perspectiva desoladora de uma tristeza eterna e um sofrimento sem fim”. Mas não podemos ressuscitar os mortos, que, para Austerlitz, ficam à mercê da escolha dos vivos entre lembrá-los ou esquecê-los.
Embora Austerlitz tivesse sido arrancado de Praga para escapar ao nazismo, a palavra “judeu” só aparece na segunda metade do livro. Sebald constrói a história do protagonista devagar, a partir de eventos que, até a metade do livro, não parecem ancorados na tragédia do Holocausto. Acredito que dessa forma nos transmite a ideia de um paradoxo. Aquilo que não pode ser esquecido e precisa de testemunho se depara ao mesmo tempo com a impossibilidade de ser compreendido e, portanto, de ser narrado e representado na sua totalidade.
É preciso coragem para ler esse escritor que nos conta que não existe salvação. Mas, como disse Osman Lins, “os escritos amenos, em geral, exprimem uma atitude de adulação, e não de respeito”. A voz melancólica de W. G. Sebald nada tem de amena, mas nos persuade por sua sinceridade, o tom grave, a precisão e a ausência de qualquer afetação ou ironia.
Fonte: Eliana Cardoso

Sobre a China

Henry Kissinger foi protagonista de uma das mais surpreendentes guinadas da diplomacia internacional da segunda metade do século XX: a reaproximação entre Estados Unidos e China. Embora a história seja conhecida, ela ganha frescor (e polêmica) na versão de Kissinger, que a narra entremeando ousados lances de suspense, reveladoras conversas de bastidores e estudados movimentos de xadrez político.

“Sobre a China” é uma obra ambiciosa. Abarca quase toda a história chinesa, fazendo a ponte entre o remoto passado imperial e a potência econômica da atualidade. Sobre as origens daquela sociedade tão enigmática aos olhos ocidentais, no entanto, o autor não tem nada de novo a dizer, embora os capítulos que tratam do período anterior à revolução comunista de 1949 sejam úteis ao leitor que quiser, por exemplo, um resumo sobre o papel do confucionismo na política chinesa.
O livro ganha vida própria a partir da abordagem do governo de Mao Tse-tung, mas só irá dizer a que veio com a narrativa do encontro secreto em Pequim, em 1971, entre o autor, então secretário de Estado americano, e o premiê chinês Chou En-lai. A reunião, que iria deixar marca indelével nas relações entre as superpotências, ocorreu sob o signo da improbabilidade. Representantes de regimes antagônicos, Estados Unidos e China não mantinham relações diplomáticas havia duas décadas, situação agravada por sérias pendências pontuais, como o fato de os americanos estarem em guerra com o Vietnã, um aliado da China.
Pois foi em meio a esse contexto adverso que Kissinger, incumbido pelo presidente Richard Nixon, pegou um avião e foi se encontrar sigilosamente com lideranças chinesas, não sem antes fazer escalas “planejadas para serem tão tediosamente prosaicas que a mídia parasse de acompanhar nossos movimentos”. A aproximação foi bem-sucedida e, em 21 de fevereiro de 1972, sete meses depois da visita confidencial, Nixon chegou a Pequim para o aperto de mãos que entraria para a história.
O que viabilizou tal iniciativa, e o que a explica? Um aspecto que Kissinger não explora é o fato de o republicano Nixon ter sido um extremado anticomunista, mesmo para os padrões americanos. Talvez só um presidente suficientemente duro com o inimigo pudesse se dar ao luxo de fazer um gesto de aproximação sem correr o risco de transmitir uma sensação de fraqueza. Kissinger, porém, passa ao largo dessa consideração, registrando apenas que o “inveterado anticomunista [...] percebera uma oportunidade geopolítica e a agarrara intrepidamente”.
O autor prefere se debruçar sobre as motivações do acordo. Se Kissinger tivesse que resumir as quase 600 páginas de seu livro em uma única palavra, provavelmente ele ficaria com “pragmatismo”. Foi sob a égide de interesses recíprocos, desvinculados de qualquer disputa ideológica, que os defensores do capitalismo e do comunismo posaram sorrindo para a posteridade.
O maior interesse em comum era enquadrar a União Soviética. Em plena Guerra Fria, os soviéticos não apenas representavam uma ameaça em potencial para o Ocidente como demonstravam a intenção de atacar o país vizinho. Sozinha, a China era vulnerável; com o apoio dos Estados Unidos, passou a ser intocável. Quanto aos Estados Unidos, a cobertura oferecida à China brecou uma eventual expansão do comunismo soviético, o que colocaria em risco o frágil equilíbrio de forças inibidor de um confronto direto entre as superpotências. Além disso, como se fosse um bônus – embora o autor não coloque a vantagem extra nesses termos -, o presidente desviaria a atenção do público interno do fiasco da guerra do Vietnã.
Nixon renunciou em 1974, Mao morreu em 1976 e a União Soviética foi extinta em 1991, mas a cooperação que os dois políticos inauguraram sobreviveria, ajudando a moldar o cenário internacional atual. A China já vinha crescendo economicamente com consistência desde o início dos anos 70, mas, como Kissinger aponta corretamente, o divisor de águas ganhou um símbolo com a visita que o líder Deng Xiaoping fez aos Estados Unidos em 1979. Sob o chapéu de caubói num churrasco no Texas, a cabeça de Deng formulava o conceito de socialismo de mercado, que até hoje rege a política chinesa. E não foram só ideias que ele levou dos Estados Unidos, mas valiosos contratos com grandes corporações, que nos anos seguintes se instalaram na China, contribuindo para fortalecer ainda mais a economia do país.
Kissinger pertence àquela rara estirpe de políticos que escrevem bem. Não chega a ser um Winston Churchill – o premiê britânico cujos relatos elevam o memorialismo à condição de literatura -, mas sabe contar uma boa história, mesclando, às vezes numa mesma frase, anedota, fato e análise, tudo vazado num estilo híbrido que fica no meio do caminho entre a reminiscência e a reflexão.
O acordo diplomático que lhe garantiu um lugar na história, no entanto, não está imune a críticas. A maior delas diz respeito ao elevado custo para os Estados Unidos. Além de dar um empurrão no monstro econômico que hoje ameaça lhes fazer sombra, os Estados Unidos abriram mão, sempre em nome do pragmatismo, de atuar de acordo com seus princípios democráticos. Para ficar num único campo, os americanos passaram a contemporizar com violações dos direitos humanos na China. Em 1989, por exemplo, quando centenas de manifestantes foram mortos na praça Tiananmen por forças do governo, os Estados Unidos impuseram sanções a Pequim, mas continuaram tratando os chineses como “amigos”.
Kissinger fica a um passo de justificar a violência, atitude incompatível para alguém que, em 1973, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. “A ocupação”, escreve ele, “ainda que completamente pacífica, é também uma tática para demonstrar a impotência do governo, para enfraquecê-lo e desafiá-lo a atos intempestivos, deixando-o em posição de desvantagem.”
Kissinger também não economiza elogios ao falar dos políticos chineses que foram seus interlocutores, inclusive Mao, responsável por execuções em massa. A escorregada tem um agravante, pois Kissinger não é um observador isento. Como presidente de uma consultoria internacional, ele tem grandes interesses econômicos na China.
“Sobre a China” pode ser uma tentativa de justificar as opções e edulcorar o legado do pai das relações sino-americanas, mas, com os devidos descontos, é também leitura da qual se emerge com uma percepção mais realista da política internacional.
O autor, Oscar Pilagallo, é jornalista e autor de “A Aventura do Dinheiro” (Publifolha).

Habitante Irreal


Durante seis anos, Paulo Scott, 45, arquitetou um manifesto contra os resultados produzidos por sua geração no poder. O “libelo”, concebido em forma de romance, se chama “Habitante Irreal” e é seu primeiro livro pelo selo Alfaguara.
Gaúcho radicado no Rio há dois anos e meio, Scott aborda a sua desilusão com a passagem dos contemporâneos pela política. Hoje, são homens e mulheres entre os 40 e os 50 anos que, na década de 80, eram jovens contestadores, idealistas e ousados. Para Scott, não foram capazes de mudar as coisas. “A minha geração falhou as outras.”
Nesse romance de contestação, não é à toa que um dos protagonistas seja homônimo do autor. “Não faço uma crítica apenas aos meus amigos e ex-colegas que hoje são pessoas importantes no governo, no Judiciário e na grande imprensa. Faço uma crítica a mim mesmo”, afirma.
Paulo -o do livro- tem 21 anos e é militante do PT. Cansado da vida política, encontra uma índia de 14 anos que vive com a família à beira de uma estrada e, subitamente, se encanta por ela.
O ano é 1989. O rapaz reencontra na menina a esperança e a razão de viver. Ela se torna um desafio, alguém que ele busca ajudar por conta própria, à revelia do Estado.
“Minha indignação com a invisibilidade a que são relegados os índios se tornou outro grande motivo para escrever o livro”, conta. A relação entre o partido do jovem (que foi também o de Scott até a metade dos anos 90) e as políticas indígenas no Brasil está presente no romance.
Scott deixa “muito claro” que a história do protagonista não é a dele. “Não sou tão ingênuo nem tão corajoso quanto o Paulo do livro. Ele é uma criança que brinca de mudar o mundo. Na política, só restaram os que tiveram estômago e coragem. Os mais puros caíram fora.”
Fama jurídica
 
Depois da militância política no PT e no Diretório Central de Estudantes da PUC-RS (do qual foi presidente em 1986, enquanto estudava direito), Scott fez mestrado e lecionou direito econômico durante dez anos na universidade em que se graduou.
Após a publicação de um certo livro, Scott ganhou projeção no meio literário. No meio literário da área jurídica, bem entendido.
“O Planejamento e o Papel do Estado como Agente Normalizador da Atividade Econômica do Setor Privado”, sua dissertação de mestrado, tornou-se referência logo de sua publicação. Um dos avaliadores do trabalho de Scott foi o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau.
“Foi um estudo importante na época, pioneiro, obra de referência por anos. Mas hoje já está bastante desatualizado”, diz Scott.
Apaixonado por poesia, o escritor viu seu nome começar a circular para além das letras jurídicas ao publicar, em 2003, a coletânea de contos “Ainda Orangotangos” pela extinta editora Livros do Mal. Três anos depois, a Bertrand Brasil obteve os direitos da obra e a relançou.
Em 2008, o longa de 81 minutos “Ainda Orangotangos” estreou nos cinemas com um virtuosismo que chamou a atenção da crítica: era todo filmado em um único plano-sequência, sem cortes.
E mais um trabalho de Scott deve migrar para a sala escura em breve. A produtora RT Features adquiriu há pouco os direitos de adaptação do romance “Voláteis”.
Fonte: Guilherme Brendler / Folha de S.Paulo
Problemas em bom livro não encobrem sua engenhosidade
“Habitante Irreal”, de Paulo Scott, está longe de ser um livro comum.
A história começa no final dos anos 80, em Porto Alegre, com Paulo, um jovem militante desiludido que se envolve com uma menina índia e chega, após uma longa série de desdobramentos, próximo ao nosso presente histórico, passando, nesse meio tempo, por Londres e por uma série de Estados brasileiros.
Em um movimento que lembra um pouco uma estratégia usual em romances de Ian McEwan (como “Reparação” e “Solar”), Scott estabelece, logo de início, um momento de grande intensidade que transforma tudo, e deixa, com engenho, que ele reverbere longamente nas vidas de todos aqueles que, de algum modo, tiveram ou viriam a ter algo a ver com o ocorrido.
O senão da obra é que existe um incômodo descompasso entre o longo alcance daquilo que é narrado e a forma como essa narração se desenrola, seja pela inclusão meio despropositada de certos personagens que entram e saem da trama, seja por eventuais alternâncias de foco que resultam forçadas, seja, principalmente, por um uso da linguagem menos ambicioso que o material apresentado parece pedir.
E que surge, de vez em quando, como no trecho a seguir -numa espécie de inteligência específica da frase que teve, por exemplo, em Saul Bellow um mestre-, indicando ao leitor que algo mais poderia estar acontecendo ali: “Não está conseguindo lidar com essa disponibilidade dele, com sua dedicação, com as surpresas renovadas em prazos cada vez mais curtos, enquanto seus gestos e atitudes elétricas, convencidas, o distanciam rápido demais do dia e hora em que ela mais o adorou. Paulo se distancia por não conseguir ficar no presente. O presente é um fardo, não pode servir de instrumento.”
O senão não altera o fato, contudo, de que, ao término da leitura, àquela sensação de quase luto inevitável que o fim de um bom livro sempre traz, soma-se a impressão de que seria o caso de começar a ler de novo.
 
Adriano Schwartz, o autor deste artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, é professor de literatura da ECA-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades).

Dalí, Lorca e Buñuel


 

Em seu livro de memórias, Meu último suspiro, o cineasta Luis Buñuel (1900-1983) registra sua passagem pela Instituição de Ensino Livre de Madri:
Fui matriculado na Residência dos Estudantes, onde permaneceria durante sete anos (1917-1925). São tão ricas e vivas minhas recordações dessa época que posso dizer, sem medo de errar, que sem a Residência minha vida seria outra.
Esta pequena universidade, calcada nos moldes de Oxford e Cambridge, foi fundada em 1910 e tornou-se uma das iniciativas educacionais mais importantes da Espanha moderna. Dirigida por Alberto Jiménez, homem de vasta cultura, a Residência contava com salas de conferências, vários laboratórios, biblioteca sempre aberta para os estudantes bem como vários campos de esporte. Os alunos, se quisessem, podiam mudar de disciplina no meio do curso. Foram apoiadores incondicionais da Residência, Miguel de Unamuno, José Ortega y Gasset e o poeta Juan Ramón Jiménez.
Os mais distinguidos conferencistas da época passaram pela Residência: H.G. Wells, G.K. Chesterton, Albert Einstein, Marie Curie, Le Corbusier, François Mauriac, Blaise Cendrars, Paul Claudel e John Maynard Keynes.
No campo musical a Instituição de Ensino recebeu Manuel de Falla, Andrés Segovia, Wanda Landowska, Darius Milhaud, Igor Stravinski, Francis Poulenc e Maurice Ravel.
Os cursos mais disputados eram Medicina, História Natural, Agronomia, Engenharia, Filosofia, Letras e Belas Artes. Esta inovadora instituição de ensino laica foi extinta a partir da guerra civil de 1936.
Dois anos após o ingresso de Buñuel, juntaram-se a ele Federico Garcia Lorca (1898-1936) e Salvador Dalí (1904-1989). Desde seu ingresso, Dalí era considerado o excêntrico da comunidade. Já Lorca, proveniente de Granada, viera recomendado por seu professor de sociologia. Com um livro em prosa publicado – Impresiones y Paisajes – era inteligentíssimo, encantador, elegante. Viera estudar Filosofia, mas logo foi desertando das aulas para se lançar na vida literária. Seu quarto, na Residência, tornou-se um dos pontos de encontro mais concorridos de Madri.
Buñuel recorda em seu livro: Nossa amizade, que foi profunda, data de nosso primeiro encontro. Embora tudo opusesse o aragonês tosco e o andaluz requintado – ou talvez em virtude desse contraste -, estávamos quase sempre juntos. Lorca me fez descobrir a poesia, sobretudo a espanhola, que conhecia admiravelmente, e também outros livros.
Filho de um notário de Figueras, na Catalunha, Salvador Dalí apareceu na residência três anos depois de mim. Queria dedicar-se às belas artes. Passando uma manhã num corredor da Residência e vendo aberta a porta de seu quarto, dei uma olhada. Estava dando os últimos retoques num grande retrato que me agradou muito. Contei imediatamente a Lorca e aos demais. Todos se dirigiram ao seu quarto, admiraram o quadro, e Dalí foi admitido em nosso grupo. Para falar a verdade, tornou-se ao lado de Federico, meu melhor amigo. Nós três não nos separávamos, ainda mais que Lorca nutria uma verdadeira paixão por ele.
Quis o destino que Buñuel, Dalí e Lorca tivessem seus caminhos cruzados na Residência. Cada um deles se transformaria num gênio de sua vocação. Buñuel como cineasta, Dalí como pintor e Lorca na poesia e literatura.
Em 1925, Dalí e Buñuel foram para Paris, já que a Espanha se tornara pequena para eles. Em 1929 eles produziram o roteiro do filme Un Chien Andalou (Um Cão Andaluz) com montagem de Buñuel. Lorca permaneceu na Espanha, para melhor conhecer as paisagens, o folclore e a música de seu país. Data desta época o início de uma de suas mais conhecidas obras, o Romancero Gitano.
Buñuel e Dalí viveram até a velhice fato que possibilitou desfrutarem dos avanços técnicos e científicos do século XX, tais como as inovações nos meios de transporte, nos meios de comunicação, os avanços da física e da energia nuclear, a descoberta dos antibióticos e dos plásticos. Assistiram a duas guerras mundiais e ao surgimento do marxismo e da psicanálise.
Já o destino foi cruel com Lorca. Ao eclodir a guerra civil, a guarnição de Sevilha foi entregue ao fanático general Gonzalo Queipo de Llano, que desencadeou o terror na Andaluzia, especificamente em Granada, cidade dominada pelos falangistas. No dia 16 de agosto, Lorca, então com 38 anos foi aprisionado e conduzido para a guarnição militar de Víznar. Na madrugada do dia seguinte, o poeta, o professor Dióscoro Gonzáles e mais dois anarquistas, foram fuzilados sob a alegação de que eram comunistas subversivos. O holocausto de Granada foi perpretado sob as oliveiras de Víznar, oportunidade em que mais de dois mil republicanos foram mortos nos primeiros meses do levante.

Recomendo aos leitores que desejarem se aprofundar na vida destes três personagens ímpares, a leitura dos seguintes livros:

Meu último suspiro, de Luis Buñuel (Cosacnaify, 373 páginas). É mais a história de uma vida do que uma autobiografia. Luis inicia a narrativa abordando sua infância em Calanda. A seguir descreve seus melhores momentos da juventude, passados na Residência, a experiência parisiense, a guerra civil na Espanha, o exílio no México e sua trajetória como cineasta.

Salvador Dalí, enamorado de si mismo, de Fidel Cordero (Edimat Libros, 187 páginas). Pensar em Dalí é evocar a figura extravagante de um personagem que encarnou a imagem vulgarizada de um artista contemporâneo, ególatra e exibicionista. Mas esta biografia também é valiosa ao evocar sua irmã Ana Maria e sua esposa Gala, sua musa, chave de sua vida como de sua obra. Gala representou para Dalí o que Cosima representou para Wagner. A obra também evoca o surrealismo e a idade de prata das letras na Espanha.

Vida, Pasión y Muerte de Federico Garcia Lorca, de Ian Gibson (Editora DEBOLSILLO, 813 páginas). Este irlandês, naturalizado espanhol, é o responsável por esta criteriosa biografia de Lorca, bem como sobre o panorama cultural e político da Espanha, nas primeiras décadas do século XX. Após escrever a Repressão nacionalista em Granada em 1936 e a morte de Lorca, teve sua obra proibida pelo franquismo. Em 1978 passa a morar em Madri, ocasião em que dá início à biografia do poeta Andaluz. Dos três personagens citados nesta matéria, Lorca sem dúvida foi o maior. Uma pena ter morrido aos 38 anos. Também foi um grande músico e intérprete de piano e órgão. Chegou a compor algumas músicas em parceria com de Falla. Sua peça teatral Yerma, foi transformada em uma ópera.

Universidades europeias querem atrair brasileiros

 



Não são apenas as escolas de negócios internacionais que estão disputando estudantes brasileiros. Nos últimos meses, o país está atraindo também a atenção de universidades e instituições governamentais europeias interessadas em garimpar potenciais candidatos na região. Sofrendo com a escassez de alunos, especialmente na área de ciências exatas, as universidades do Velho Continente se animaram com o investimento do governo brasileiro no programa “Ciência sem Fronteiras”, que prevê a concessão de bolsas de estudo para alunos do país interessados em seguir carreira em programas como tecnologia e engenharia.
A gradual queda no número de alunos nas faculdades europeias, agravada pelo envelhecimento da população, é outro ponto que está fazendo muitas instituições reforçarem seus planos de internacionalização – e o Brasil está entre os mercados mais visados. Na avaliação de Éric Froment, presidente fundador da Associação das Universidades Europeias (AUE) e ex-reitor da Universidade de Lyon, o interesse pelo país é uma espécie de ‘moda’ entre as instituições. “O Brasil está em evidência, mas sofre com a falta de talentos e tem uma enorme população que ainda não foi à universidade.”
“Uma de nossas metas é fazer com que o público brasileiro tenha interesse em estudar na Europa. Queremos que nossas instituições se tornem cada vez mais conhecidas entre os estudantes”, afirma Christian Müller, diretor do escritório regional do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD, na sigla em alemão). Ele foi um dos organizadores do primeiro Salão Europeu de Pós-Graduação, que no último mês reuniu 70 instituições de 12 países em São Paulo – muitas pela primeira vez no Brasil. Segundo ele, mais de 50 universidades da Alemanha devem participar do “Ciência sem Fronteiras”.
O programa gerou interesse também em outras escolas do continente, muitas delas tradicionais formadoras de engenheiros e técnicos. É o caso da Alemanha, mas também de países como a Suécia, a Finlândia e a Polônia, que enviaram delegações ao evento. “O número de brasileiros ainda é pequeno nas nossas universidades e temos a intenção de aumentá-lo. Temos muito a oferecer aos alunos do país em ensino nas áreas de engenharia e inovação”, afirma Pierre Liljefeldt, oficial de diplomacia da Embaixada da Suécia.
Na Polônia, a falta de engenheiros nas universidades fez o governo investir na atração de mulheres para carreiras em áreas mais técnicas. Bianka Siwinska, líder do projeto Girls in Engineering & Science, afirma que nos últimos quatro anos a iniciativa conseguiu colocar dez mil mulheres a mais no ensino superior. Os esforços para conquistar alunos, porém, não se concentram apenas no estímulo à diversidade de gênero, mas também na de nacionalidades. “Nossas universidades estão trabalhando na divulgação dos programas e na atração de candidatos em todo o mundo”, afirma.
Há cinco anos, as atenções das instituições educacionais europeias ainda estavam direcionadas principalmente para os países asiáticos. Segundo Éric Froment, da AUE, aos poucos elas foram se voltando para mercados igualmente promissores como a América Latina. A Holanda, por exemplo, aposta em uma cooperação universitária para aumentar o intercâmbio acadêmico com o Brasil. Uma prova disso é a abertura, em 2008, de uma representação local do Nuffic Neso, agência de promoção ao intercâmbio educacional daquele país. Remon Daniel Boef, diretor da instituição, afirma que o movimento foi motivado pelo destaque brasileiro na economia global, somado a um forte processo de internacionalização das universidades holandesas. “Além disso, temos uma política de estímulo à diversidade cultural que privilegia a atração de talentos globais”, diz.
Na The Hague University of Applied Sciences, sediada em Haia, capital do governo holandês, são apenas 40 brasileiros em um universo de 23 mil estudantes, mas o objetivo é aumentar esse número. A universidade tem vindo ao país periodicamente desde 2008 para reforçar parcerias e atrair estudantes. “Tivemos um pequeno aumento de alunos do país, mas sabemos que esse é um trabalho de longo prazo”, afirma Joey Uijleman Anthonijs, oficial senior de recrutamento e relações internacionais da The Hague University.
O principal desafio para essas instituições no Brasil, no entanto, está relacionado à reciprocidade. “Elas devem se preocupar menos em atrair estudantes e mais em promover troca de conhecimento e cooperação. Isso deve incluir uma política consistente para também enviar estudantes europeus ao Brasil”, afirma o presidente da Associação das Universidades Europeias. “Atrair alunos a qualquer custo soa muito comercial e nada sustentável para as instituições. O comprometimento deve ser permanente”, ressalta.
Fonte: Vívian Soares

domingo, 18 de dezembro de 2011

SOS: O planeta está morrendo

Caros amigos,

Nosso planeta está morrendo e grandes empresas de petróleo estão colocando nações importantes no bolso e impedindo qualquer chance de um tratado climático. Temos 3 dias até o fim das negociações da ONU acabarem -- vamos clamar à União Europeia, Brasil e China que sejam nossa liderança rumo a um acordo para salvar o planeta! Clique aqui para assinar a petição urgente:

Nossos oceanos estão morrendo, nosso ar está mudando, e nossas florestas e matas estão virando desertos. Dos peixes e plantas à vida selvagem e seres humanos, estamos rapidamente matando o planeta que nos abriga. Há uma única grande causa dessa destruição do mundo natural: as mudanças climáticas. E nos próximos 3 dias temos uma chance de impedir isso de acontecer.
O tratado da ONU sobre as mudanças climáticas -- nossa melhor esperança para ação contra esse problema -- expira no ano que vem. Mas uma coalizão gananciosa de países dominados pelo petróleo e liderada pelos EUA está tentando acabar com esse tratado para sempre. É difícil de acreditar: eles estão trocando o lucro em curto prazo pela sobrevivência do nosso mundo natural.
A União Europeia, Brasil e China estão em cima do muro -- eles não são escravos das empresas de petróleo como os EUA são, mas precisam ouvir um chamado para ação massivo do povo antes de realmente liderarem financeira e politicamente a discussão para salvar o tratado da ONU. O mundo está reunido na conferência climática pelos próximos 3 dias para fazer uma grande decisão. Vamos enviar aos nossos líderes um clamor massivo para que eles se posicionem contra o petróleo e salvem o planeta -- uma equipe da Avaaz na conferência vai entregar nosso clamor diretamente:
http://www.avaaz.org/po/the_planet_is_dying/?vl

A situação está ficando desesperadora -- por todo o planeta, condições extremas do clima continuam a ultrapassar os registros, deixando milhões de pessoas nas ruas, sem comida ou abrigo. Estamos rapidamente chegando no ponto em que não haverá retorno das mudanças climáticas -- temos apenas até 2015 para começar a reduzir drasticamente nossas emissões de carbono.
Apesar dessa urgência real, o mundo falhou em se mobilizar contra a democracia dos EUA, dominada pelos combustíveis fósseis. Não contentes com a destruição das negociações de Copenhague e do Protocolo de Kyoto, agora eles estão construindo uma coalizão de destruidores de tratados climáticos para colocar o último prego no caixão das negociações internacionais na África.
Nossa única esperança de mudar esse jogo está com a Europa, Brasil e China -- eles podem fazer esse acordo se tornar realidade, mas precisam atuar juntos, e é aí que entramos. A Europa está cansada, já lutou dura e longamente a favor do clima e precisa de um apoio público. A China já concordou em metas legalmente vinculativas e é sensível com sua reputação internacional, podendo assumir essa liderança no futuro se a encorajarmos. O Brasil vai realizar a próxima Conferência da Terra no ano que vem -- e isso lhe deixa o país impaciente para preparar o mundo para o sucesso do clima. Vamos criar um clamor gigante e global para unir esses campeões do clima e criar a equipe verde dos sonhos. Assine a petição agora e, em seguida, encaminhe esse email:
http://www.avaaz.org/po/the_planet_is_dying/?vl

O foco insano no lucro em curto prazo, que motiva os países a atravancarem a ação contra a crise climática que literalmente ameaça a sobrevivência de todos nós, não pode ser tolerado. Felizmente, nosso movimento tem o poder para intervir nesse processo e demandar uma mudança de posição. Vamos nos unir e inspirar outros a fazerem o mesmo em prol de um mundo mais humano e seguro.
Com esperança e determinação,
Luis, Emma, Ricken, Iain, Antonia, Morgan, Dalia, Pascal e o resto da equipe da Avaaz

Mais Informações:
China se dispõe a aceitar novo pacto climático; EUA não cedem (Terra)
http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI5504522-EI19408,00-China+se+dispoe+a+aceitar+novo+pacto+climatico+EUA+nao+cedem.html
COP-17: União Europeia tenta atrair EUA e emergentes para acordo em 2015 (Rede Brasil Atual)
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2011/12/cop-17-uniao-europeia-tenta-atrair-eua-e-emergentes-para-acordo-em-2015
Brasil se diz otimista com desfecho em reunião do clima (BBC Brasil)
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/12/111206_cop17_durban_is.shtml
Aumenta pressão para acordo na Conferência Climática da ONU em Durban (AFP)
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5jrh-zLW9GdUmMO3HRyhknjrLprRQ?docId=CNG.9e09d9bfead2abd076ea5953e0edc930.01
Durban: Última oportunidade para salvar o Protocolo de Quioto? (Euronews)
http://pt.euronews.net/2011/12/05/durban-ultima-oportunidade-para-salvar-o-protocolo-de-quioto/


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