Mentes que visitam

domingo, 13 de novembro de 2016

Liberdade de expressão

A presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça ministra Cármen Lúcia, durante a palestra em que abordou a liberdade de expressão na comunicação tecnológica, ampliou sua exposição fazendo-a atingir a liberdade de imprensa e defendeu que “não há democracia sem imprensa livre, não há democracia sem liberdade. Ninguém é livre sem ter pleno acesso às informações e são os jornalistas, e a imprensa, a nossa garantia de que teremos sempre as informações prestadas, o direito garantido”.[1]
A liberdade de expressão, garantia inerente à democracia, consagra de forma inequívoca o direito do cidadão expressar seu pensamento, assim como da imprensa cumprir com sua missão de informar, ambos com suas respectivas responsabilidades. Rui Barbosa, além dos predicados políticos e jurídicos que ornamentaram sua brilhante carreira, também abraçou o jornalismo e em determinada conferência realizada na Bahia, ressaltou: “A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.[2]
Lei de Imprensa do Brasil, editada no período de exceção institucional, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que tramitou pelo Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos foi considerada incompatível com a Constituição Federal de 1988, deixando entender, no entanto, que o direito de resposta ou de retificação nela contido, merecia ser preservado para aquele que se sentir ofendido. Tanto é que, posteriormente, entrou em vigência a Lei nº 13.188/15, que regulamentou o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
É interessante observar que o direito à liberdade de expressão, protegido constitucionalmente pelo artigo  da Carta Magna brasileira, merece especial atenção quando analisado perante o direito americano. É cediço que a democracia, para atingir sua plenitude estabelecida no Estado Democrático de Direito, deve abrir seus canais de comunicação para receber inúmeras vozes, divergentes ou não, mas que possam expressar a vontade popular com os ideais voltados para a concretização de uma sociedade fincada em sólidas bases, suficientes para estabelecer o equilíbrio e a harmonia entre os cidadãos e o poder legalmente constituído.
O filósofo norte-americano Ronald Dworkin ensina com maestria a diferença entre liberdades negativas e positivas. As primeiras consistem no homem não ser impedido pelos outros do que deseja fazer como, por exemplo, a liberdade de falar sem censura, de dirigir em alta velocidade (exemplos dados pelo próprio autor).
Já as liberdades positivas se caracterizam por ser o poder do homem em participar das decisões públicas e controlá-las. Esta, de acordo com Dworkin, seria a democracia ideal, pois todos os cidadãos governariam a si mesmos. Quando ocorre a confusão entre as liberdades positivas e negativas ou então entre a liberdade com outros valores, ensina Dworkin, que é possível então, através dessas limitações, entender como funcionam os regimes autoritários.
O fato é que este filósofo corrobora e dissemina um dos ideais mais valorizados pelos Estados Unidos, a liberdade. Pode-se dizer, que este país é um dos mais liberais do mundo e defende com todas as forças a liberdade de expressão do homem.
A Primeira Emenda à Constituição dos EUA, que proíbe o Congresso de elaborar qualquer lei que restrinja a liberdade de expressão ou da imprensa, tornou-se mundialmente conhecida exatamente por isso. Em um caso ocorrido em Indianópolis (Estado de Indiana, EUA), um grupo feminista defendia a criação de uma lei que atenuasse a liberdade de expressão, alegando que essa falta de limite explorava a pornografia contra a mulher, desvalorizando-a como um ser social, gerando aumento da violência física e psicológica contra ela.
Mais do que depressa, as editoras e os cidadãos entraram com ação de inconstitucionalidade, e a Suprema Corte dos EUA, invocando a Primeira Emenda, decidiu que as alegações trazidas a juízo não justificavam a censura, mostrando claramente que lá nos EUA a liberdade de expressão é quase que absoluta. “Desde a metade do século XX, confirma Lewis, ganhador do Prêmio Pulitzer, a ideia da Primeira Emenda adquiriu uma influência poderosa na imaginação americana. Até os conservadores, que antes se encontravam no lado repressivo das controvérsias sobre a expressão, agora se juntam à exaltação da liberdade de expressão. As pessoas invocam “a Primeira Emenda” como se aquelas palavras resolvessem seja qual for a questão debatida.”[3]
Os americanos pensam da seguinte maneira: se as expressões heroicas podem ser manifestadas livremente (e quanto mais, melhor), deve-se dar o mesmo tratamento para as de mau gosto também, afinal, de acordo com eles mesmos, vivem em uma democracia moderna que coexiste perfeitamente com a liberdade de expressão.
É claro que não se pretende comparar o modelo brasileiro com o americano. Apesar das conquistas já efetivadas e muitas outras para serem alcançadas, a afirmação da presidente do Supremo Tribunal Federal ecoa com a ressonância necessária para retratar o anseio e o consenso da nação.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp;
Gabriela Bellentani de Oliveira Andrade, advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE – Bauru/SP.

[2] Barbosa, Rui. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo: Hunter Books, 2016, p. 31.
[3] Lewis Antony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da Primeira Emenda à Constituição americana; tradução Rosana Nucci. São Paulo: Aracati, 2011, p. 199.

Nenhum comentário:

Postar um comentário