IMOLAÇÃO I
Para explodir em derradeira chama
é preciso, primeiro, ter receio
de água ou lago ou qualquer outro meio
que reidrate o corpo que reclama.
É preciso acreditar que toda fama
deva ser rejeitada num ceceio,
não aceitar assim qualquer esteio
que esfaça a poeira num lençol de lama.
Desidratado assim o ser inteiro,
os soluços e o pranto todos secos,
o sangue em grumo negro coagulado,
chega essa hora do esforço derradeiro,
riscado um fósforo em silenciosos ecos
e num fulgor queimar todo o passado!
IMOLAÇÃO II
É bem verdade que o passado é incombustível,
todo inserido na linfa da memória,
revestido do limbo, em peremptória
construção pela espada imarcescível
do arcanjo constritor do inexaurível
retidão vigorosa em missão fória:
que não escape do Éden sem história
o menor fragmento do invisível.
Bem ao contrário do paradisíaco interdito,
quer-se é as lembranças impedir que saiam
e não guardar santa árvore da vida,
antes da árvore da morte, em dom aflito,
que para fora os frutos não recaiam
como sementes sobre a lama endurecida.
IMOLAÇÃO III
Não são as dores que se mostra ao mundo
as que se mostram de fato mais dolentes.
É a persistência dos embargos infringentes
que as conservam num hesitar profundo
e nos revelam sempre o mais imundo
destas lembranças eternas, recorrentes,
que nos riem ante o rosto, de insolentes
e reprimidas, retornam num segundo.
Enquanto as boas lembranças ou as tristes
custam a vir ou em choro se dissolvem:
como é difícil recordar felicidade!...
Essa mistura dos instantes que vivestes,
enclausurados em alegrias que se toldem,
muito mais imaginárias que verdade!...
IMOLAÇÃO IV
Deste modo, os momentos mais felizes
precisamos recordar com certo esforço,
enquanto humilhações guardam o escorço
e vêm à tona sem quaisquer deslizes,
como de vida própria, em seus matizes,
dotadas finalmente, em alvoroço,
como cordas penduradas ao pescoço,
tais albatrozes de lembranças infelizes.
Nunca entendi por que assim ocorre,
que sejam cheias de energia nossas mágoas,
porém tão flébeis os contentamentos;
que essa angústia de fato nunca morre,
as suas nuances escorrendo como águas
nos dicionários de meus pensamentos...
William Lagos
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