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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Divulgando Poesia - CUPINS DA INSÔNIA I, II, III, IV, V, VI

CUPINS DA INSÔNIA I 

Durante a noite, será leve o sono,
por cupins devorado, facilmente.
Batem à porta diante mim, frequente,
com impaciência, como o faz o dono.

Mas nada existe, zombeteiro mono
se introduziu no sonho, abruptamente,
e me fez acordar, impertinente,
para custar a dormir, em desabono.

Ou ouço vozes que por mim reclamam,
às quatro da manhã, sabendo embora
ninguém estar desperto nessa hora.

Por que minha sonolência assim difamam?
Já durmo pouco e sobrevém a mágoa
de meus olhos embaciados em deságua.

CUPINS DA INSÔNIA II

     Já é bem normal que durma meia-hora
e então me acorde; mas viro para um lado
e vejo o sono novamente conciliado,
por curto prazo que me renda, embora.

Eu deixo o som ligado nessa hora,
um disco a repetir-se, renovado
e nesse embalo me sinto enovelado,
sem o ruído que influencia e me devora.

Mas se deixo a trocar no carrossel
ou se escuto a repetir-se algum vinil,
esse breve intervalo me desperta,

que há mais cupins escondidos no dossel
deste meu sono interrupto, em ceitil,
a curtas prestações minha mente aberta.

CUPINS DA INSÔNIA III

Mas há ocasiões em que mesmo esta mesada
de apenas uns duzentos e quarenta
minutos com que a noite me contenta
é interrompida e, em parte, devorada.

Desse dossel do sono, em revoada,
desce o cupim e a traça se apresenta,
chega o lepisma de prata em marcha lenta,
meu sonho a transformar em quase nada.

Assim devoram devaneios pelos cantos,
famintos os cupins dessa alvorada,
inda que a música me permita descansar;

e ali fico a estudar maviosos prantos,
nas árias líquidas da ópera encantada,
ou melhor a orquestração a compreender.

CUPINS DA INSÔNIA IV

E nessas ocasiões, me ponha a ler
qualquer romance ou livro para estudo,
diante dos olhos a página em escudo,
até que venha novamente a adormecer,

o livro então meu rosto a percorrer
e não meus olhos a desvendar-lhe tudo;
perante o sono, o livro fica mudo
e bem depressa o devo recolher

a essa mesa de minha cabeceira,
onde se encontra com outros, numa pilha,
antes que as traças saltem de minha mente

e suas folhas devorem, desde a beira,
em carunchado pavor, milha após milha,
tornando a história em sonho decadente.

CUPINS DA INSÔNIA V

E assim, nem sei se do livro sai cupim
ou se da mente escapa-se gorgulho,
se a insônia em que, à noite, me debulho
afeta o livro ou desperta a história enfim.

Será que a música traz insetos do jardim,
a devorar de cada sonho o orgulho?
Ou é da mente que desperta o engulho
e o livro come em dentes de marfim?

Apenas sei que o sonho me escasseia
e que o livro, cedo ou tarde, se termina;
por mais que lento o meu olhar o leia,

sai um cupim de meus olhos e assassina
a cada página, em indiferente teia,
qual uma aranha a lhe sugar a sina.

CUPINS DA INSÔNIA VI

Pois mesmo que esse livro guarde então,
já devorei com o olhar seu conteúdo,
já o mastiguei, metabolismo mudo
e já conservo nos neurônios seu bordão.

Enquanto a traça do livro meu irmão
sai dentre as páginas e me devora tudo,
o meu cérebro furando de desnudo,
ovos deixando por futura brotação.

Serão cupins de insônia então meus versos,
que se expandem de mim como adversos
retalhos loucos das falhas memoriais?

Ou foi a insônia que me forjou cada cupim,
alimentado de quanto existe em mim,
até que os versos se percam no jamais?

 William Lagos

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