COÁGULOS I
Parti meus ossos em busca desse amor
inveterado; e nem sequer sorri.
Quebrei-me as pernas e nem padeci
mais do que a bênção fecunda do estertor.
Rasguei-me as veias empós um tal ardor
imoderado; e nem sequer sofri.
Vazio meu coração, nem percebi,
na escala muda do arco-íris incolor...
Nessa tortura branda, assim me giro
no túmulo da alma, sepultando
as ânsias mudas deste amor mesquinho.
E, por quebrar as pernas, já não ando;
e, por perder meu sangue, não respiro,
senão meus versos... secos de carinho.
COÁGULOS II
E desses versos de luz coagulados
recolhi fibra a fibra, mansamente;
aos poucos fui trançando, lentamente,
novos esteios para os pés despedaçados,
ossos mais fortes em lianas debruados,
as articulações de falha mais frequente,
o desgaste dos ilíacos, gemente,
os nervos comprimidos aliviados.
E o não faria, se corresse o sangue
tão facilmente qual no meu passado:
como prender-lhe as gotas entre os dedos?
Essas plaquetas de avermelhado tangue,
em seu odor metálico escoado,
cada pingo denunciando meus segredos.
COÁGULOS III
E nunca nova teia entreteci,
em meus lazeres de sobrevivente,
palavras vãs de sangue incandescente,
voltadas para o amor que já esqueci;
coagulado amor que então eu vi
escorrendo no marfim opalescente,
gotas de aurora em amor adolescente,
gotas de um sonho que nem sequer nutri.
Mas que seria de mim, se não pingasse
sobre os momentos ressequidos do passado
as gotas rubras de tal remordimento?
Se minhas lembranças então não perquirisse
e as contemplasse no espelho estilhaçado
por mil retalhos de puro esquecimento?
William Lagos
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