O problema são os valores, não a economia, estúpido!, bem poderia ser o lema do último livro de Charles Handy, intitulado Um Espírito Faminto («The Hungry Spirit»), agora editado pela Hutchinson/Random House, em Londres.
Com esta inversão do slogan eleitoral que ficou famoso na América, Handy deixou-se tentar, em definitivo, pela filosofia, neste final de século, e iniciou uma busca sistemática de um propósito, de valores decentes para o capitalismo atual.
Apesar do triunfo mundial do sistema, a sociedade contemporânea sofre de uma malaise. Diversos teóricos de gestão começaram a procura de uma sociedade decente. Da doutrina do management têm passado para a filosofia e a economia políticas. O primeiro a abrir a nova onda foi Peter Drucker, nos Estados Unidos, quando começou a escrever sobre o que designou de sociedade pós-capitalista.
Handy tem andado às voltas com o mesmo problema nos últimos anos, e esta sua mais recente obra leva mesmo como pós-título Para além do capitalismo - em busca de um propósito no mundo moderno. Este irlandês radicado em Inglaterra, a quem muitos consideram o Drucker europeu - apesar de ser mais novo uns vinte e dois anos e de ter despertado para a escrita sobre gestão apenas em meados dos anos 70 - não evita a crueza da situação ideológica a que o sistema chegou com os exageros da década de 80 e cujas réplicas, já um pouco caricatas, continuam.
Não conheço um sistema econômico melhor, confessa a abrir o livro. Contudo, essa nova moda de transformar tudo em negócio, até as nossas vidas, não me parece ser resposta. E, colocando ordem nas ideias, sublinha: O capitalismo é apenas um mecanismo, metam isso na cabeça. Não fornece os valores para a sociedade. Para tal precisamos de uma filosofia. Uma filosofia para os nossos tempos, tanto para as instituições como para os indivíduos.
Handy vai, então, buscar em seu socorro diversos filósofos e cientistas e reintrepreta inclusive o que alguns teóricos do capitalismo industrial nascente, como Adam Smith, disseram, limpando-lhes a carga «liberaloide» excessiva. Leu inclusive o «nosso» António Damásio e de O Erro de Descartes importou uma crítica muito dura aos racionalistas loucos e frios, que, sobretudo nos anos 80, serviram de modelo a uma geração de gestores e empresários treinados no mundo VIP ou moldados nos MBA.
O seu objectivo é que os ideólogos do capitalismo, e os cidadãos comuns a começar pelos gestores e homens de negócio, regressem a uma postura mais equilibrada. Deve haver alguma coisa que possamos fazer para restaurar o equlíbrio!, exclama.
O que ele procura, confessa, é um novo individualismo, uma postura que equilibre o individuo com a sociedade. Handy fala de um egoismo como deve ser, um epicurismo filosófico - satisfazemo-nos pessoalmente quando olhamos para além de nós.
As raízes desse novo individualismo estão na idade da soberania pessoal que nasceu com a revolução social dos últimos trinta anos. Começou nos anos 60, com os novos valores culturais, com a pilúla contraceptiva, o computador pessoal e, mais recentemente, a Internet, diz o autor.
Juntamente com esta afirmação individual, cresceu a conectividade, algo que é capaz de fazer uma síntese entre a personalização e a interdependência, e que Handy vê com muita transparência no fenómeno de massas que começa a ser a Net.
Neste egoismo como deve ser, ele inclui uma consciência de cidadania muito forte. Os custos sociais (desemprego, marginalização, tendência para o aumento dos excluídos da nova onda tecnológica), psicológicos e ambientais estão à vista de todos. Há que ter noção dos limites do modelo atual de crescimento. Não apenas os físicos e ambientais de que falava o casal Meadows nos anos 70 (no célebre Relatório «Os Limites ao Crescimento»), mas sobretudo os psicológicos e filosóficos, algo com que é mais dificil de lidar.
Escreve, ainda, sobre os limites do consumismo (do vicío do chindogu, a tendência para se encher de coisas inúteis, segundo os japoneses) e do competitivismo à escala global. Não aceita a destruição sistemática do serviço público.
Descendo ao terreno do trabalho futuro, o filósofo da gestão inglês insiste na sua versão da empregabilidade (distinguir de emprego) e dos profissionais com um portfolio de competências e atividades que não são empregados de ninguém permanentemente. É um assunto em que ele vem gastando muita tinta e papel já há alguns anos.
Segundo estudos ingleses, os trabalhadores temporários, os a tempo parcial e os profissionais auto-empregados atingirão, naquele país, os 45 por cento da força de trabalho em 2005.
De seguida, no campo das empresas, novos modelos se imporão. Handy fala das novas formas de organização que se estruturam em torno de redes de associados - como é o caso da VISA -, ou de um modo federalista, como no caso da ABB. São exemplos europeus, sublinha. Ou, então, salienta a força das organizações baseadas em comunidades de interesse e em boa dose de voluntariado.
Os adereços são de luxo: organização em torno de um projeto específico, paixão pela causa, especialistas nas suas áreas, espírito de voluntariado na execução e conclusão da missão, camaradagem e confiança, orgulho de pertença, espaço de manobra suficiente para cada um. O que deve ser temperado com uma politica inteligente de remuneração e prêmio, em que o caso da Microsoft vem sempre à baila.
Autor: Charles Handy