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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Deus me livre da bondade dos bons

“O bem não pode ser imposto” - Lao Tse

Deus me livre da bondade dos bons
Decretar ordem por violência, é criar desordem.(Lao Tse)
Li recentemente, aqui no Jusbrasil, um dos diversos textos favoráveis a legalização das drogas. No entanto, os comentários são muitas vezes tão surpreendentes quanto o texto em si. Os argumentos que mais vi contra a legalização são a defesa da sociedade, das crianças, e dos valores cristãos (confesso que fiquei emocionado com o tanto de pessoas bondosas que existem em nosso país, estou certo que o ímpeto demonstrado por elas nos comentários é o mesmo com o qual elas ajudam ao próximo).
Toda vez que vejo jornais ou outros meios de comunicação discorrer sobre temas polêmicos (por exemplo, aborto, redução da maioridade penal e legalização das drogas, para ficar nos mais “leves”), fico espantado com a tirania dos justos. É incrível como a maioria se avoca na qualidade de defensores universais da verdade e da justiça (e, por que já não aproveitar, dos bons costumes também).
Lao Tse¹ disse, há milhares de anos atrás, “O bem não pode ser imposto”. Esta reflexão, aparentemente simples, é de uma profundidade imensurável. Todos aqueles que tentam impor o bem para todos (ou para ser mais exato, aquilo que entendem como sua visão de “bem”, dada a experiência particular de cada individuo), acabam se transformando no mal que pretendiam combater.
Esta é uma doença que ataca a todos, advogados, promotores, juízes, políticos, ou até mesmo nossos filósofos contemporâneos mais sábios e influentes, como Datenas e Sheherazades da vida.
O que é o bem comum? Talvez devêssemos perguntar ao bom e velho homem médio, esse espécime raro que durante tanto tempo andou ca entre nós. Ou, como certeza alguns irão sugerir, perguntemos a Deus (me mostrem a procuração dele com firma reconhecida e aceitarei suas respostas, caso hajam vários procuradores, favor entrar em consenso de quem possuí poderes explícitos para falar em juízo). O fato é que esse conceito de “bem” é igual o leito de Procusto, se adéqua a qualquer interesse (quem não sabe a que me refiro, nosso amigo Google está aí para nos ajudar).
Agostinho Ramalho Marques Neto escreveu: “quem nos salva da bondade dos bons?”². Esse é um grande receio que compartilho atualmente. Vejo nossa infante democracia trilhar cada vez mais um caminho estreito e perigoso, ora flertando com a teocracia, ora flertando com o regime Orwelliano³ (recomendo veementemente a leitura do clássico mais atual do que nunca “1984”).
Um aviso àqueles que já estão me chamando de anarquista e outros rótulos a mais, se segurem só mais um pouco antes de me mandarem para o cadafalso, aguardem apenas até eu finalizar meu argumento.
É certo que precisamos de leis e da garantia de sua execução. Mas essas, as leis, devem ser editadas com parcimônia e reflexão, e não sobre o clamor da opinião pública sedenta de sangue (a quem interessar, vide o texto escrito anteriormente por mim “O povo brasileiro clama por justiça”).
Muitos bradarão: - Quem protegerá as pessoas de bem de todos esses menores assassinos, dos drogados criminosos e de homossexuais subversivos?” E eu me pergunto: quem me protegerá das pessoas de bem, que tanto sabem sobre tudo com grande experiência sobre nada? (afinal contra àqueles existem as leis, já estas últimas, se julgam “a lei”).
A verdade, é que as leis devem ser editadas levando em conta tudo aquilo que o conhecimento humano já produziu e experimentou de útil e válido, deixando-se de lado as paixões pessoais e as crenças religiosas. Seja qual for a opção legislativa com relação a esses temas polêmicos, devemos tentar analisar os prós e os contras das medidas como pessoas cultas e esclarecidas que somos (ou deveríamos ser), e não como reles camponeses medievais que temem demônios ao apagar das velas.
Para aqueles que defendem a obediência cega às leis e também a sua edição inconseqüente, lembrem-se apenas que a escravidão e o holocausto eram legais, e Cristo foi julgado e condenado com base na legislação vigente à época (temo que ainda hoje muitos chamariam as penas daquela época de brandas).
Estudem, reflitam, e argumentem com coerência antes de dar seu veredicto sobre um tema ou projeto de lei (todos tem direito de discordar, mas perder a elegância jamais).
Finalizo, para a alegria de alguns e já agradecendo por esperarem até agora para se regozijarem, dizendo que sou contra a redução da maioridade penal e a favor também da legalização das drogas (sim, to com dó e vou levar para casa, e sim também, vou ver meu filho virar um maconheiro apenas porque foi legalizado). Agora sim, podem firmar a corda e puxar o alçapão!
Fraternais abraços!

  1. Lao Tse, Tao Te Ching. Lao Zi também escrito Laozi, Lao Tzu, Lao Tsé, Láucio, Lao Tzi, Lao Tseu ou Lao Tze, foi um famoso filósofo e alquimista chinês. Sua imagem mais conhecida o representa sobre um búfalo, o processo de domesticação deste animal é associado ao caminho da iluminação nas tradições zen budistas.
  2. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA. São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994: “Uma vez perguntei: quem nos protege da bondade dos bons? Do ponto de vista do cidadão comum, nada nos garante, ‘a priori’, que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos, mesmo que essas mãos sejam boas. (...) Enfim, é necessário, parece-me, que a sociedade, na medida em que o lugar do Juiz é um lugar que aponta para o grande Outro, para o simbólico, para o terceiro.”.
  3. George Orwell. Famoso escritor inglês, autor dos clássicos "A Revolução dos Bichos" e "1984".

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