A história do Brasil é uma narrativa de mandonismo e de obediência. Desde a Colônia, nós somos o desdobramento da vontade dos donos do poder territorial, econômico e jurídico. Os senhores de terra, e posteriormente os detentores de outros recursos (industriais, financeiros, midiáticos etc), estabeleceram uma hierarquia e do topo dela têm escrito e controlado a nossa história política.
Os mandões criaram uma estrutura de dominação clientelista que chegou ao auge nos tempos do coronelismo. Essa prática de relação política consolidou-se durante a Primeira República (1889-1930), medrando do meio rural e pequenas cidades até a capital do País. O termo “coronelismo” tem origem nos coronéis da Guarda Nacional (criada em 1831), mas coronel foi generalizado pelo povo como título de chefe político.
Essa corporação foi implantada em todos os municípios brasileiros; não obstante ter sido militar, era uma expressão do poder civil. A autoridade sobre o regimento local, exercida sob a patente de coronel, era entregue a um chefe político. Esses chefes, que já eram donos de fato do lugar, ao receberem um poder militar legalmente reconhecido, mais legitimavam o poder de mando, consolidando prestígio pessoal.
A Guarda Nacional foi extinta já em 1889, antes, pois, da República Velha, mas o poder angariado pelos coronéis não morreu. Era dessa gente o poder político, econômico e jurídico. Esse sistema ficou arraigado nos nossos costumes. A hierarquia de cabo eleitoral, de chefe de distrito, de coronel, se não sobrevive com a mesma pujança, perdura como um fundo que infesta o sistema eleitoral até nossos dias.
Ainda hoje, a substituição de partido político no comando do governo em qualquer nível não leva à troca de método governativo. Antigamente, é verdade, havia mais coerência no sistema: os que perdiam as eleições compreendiam perfeitamente que “agora é a vez deles”. Então, resignadamente, os derrotados se punham a militar pelo retorno ao poder e ao cofre público.
Nos tempos dos coronéis, os mandões, se vencedores, sustentavam os seus com os meios do erário; fora do poder, mantinham a “sua gente” com os próprios bolsos. A questão de honra pública nacional nunca foi o pertencimento cívico a uma ideologia partidária, mas o alinhamento a um potentado local. Ser marcado e reconhecido como alinhado a um coronel nos bons e maus tempos era um sinal de dignidade.
Atualmente, alguns dos que estão fora do poder protestam, mas não no relevante. Note-se, por exemplo, que na CPMI que investigou a roubalheira na Petrobrás alcançou-se o acordo de não quebrar o sigilo das empresas envolvidas. Suponho que se o fizesse seria encontrado nos dutos de propina o nome de parlamentares das mais variadas greis partidárias, de situação e de oposição.
É isso que somos: um país movido a interesses intermediados por políticos. Já não temos os coronéis, mas preservamos uma mentalidade clientelista. Nossas eleições não são episódios que atraiam por embates de pensamentos, mas por interesses. Um governante não é eleito como um pensador ou um gerente do Brasil, mas como um intermediário de negócios, um despachante de interesses.
Sem ilusão, político que não gasta não se elege e, salvo exceção, político que não rouba não tem para gastar. E o povo, regra geral, não quer saber de ideia, quer a parte dele. O povo é tocado a marketing, promessas, favores e valores, sejam os valores privados, tirados do bolso do político que roubou ou vai roubar, sejam os valores públicos, levados pelas bolsas que o PSDB inventou e que o PT fatura.
E a tudo se justifica, na lógica de nossos hábitos. Não há petista que reconheça que seu partido roubou (sim, não é só o PT) da Petrobrás, apesar das evidências e mesmo das confissões; todo petista alega julgamento político do Mensalão, apesar de os ministros do STF terem sido nomeados por Lula e Dilma. Não há petista que reconheça que essas verbas bilionárias moveram a eleição e reeleição de Dilma.
Ao tempo da Ditadura, o Nordeste ganhava favores e votava na Arena; os nordestinos eram execrados como alienados pela “esquerda”. Hoje o Nordeste “retribui” em votos o “reconhecimento” pelos benefícios públicos que lhe são dirigidos. É o mesmo clientelismo, mas a esquerda, hoje, nomeia esse hábito de consciência eleitoral. Somos isso e nos justificamos. Não vai ser fácil superar a nossa própria história.
Por Léo Rosa
Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, Psicólogo e Jornalista.