CÂMARAS NA SALA DE AULA; ISSO É BOM?
REVISTA ISTO É N° Edição: 2238 | 29.Set.12 - 10:46
Iniciativa de escola paulistana causa polêmica e abre debate sobre as
necessidades e as consequências da vigilância eletrônica
Natália Martino e Tamara Menezes
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O ambiente está sendo filmado. As imagens são confidenciais e protegidas nos
Natália Martino e Tamara Menezes
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O ambiente está sendo filmado. As imagens são confidenciais e protegidas nos
termos da lei.? Foi com essa informação impressa em pequenas placas que os alunos
do terceiro ano do ensino médio do Colégio Rio Branco ? um dos mais conceituados
e tradicionais de São Paulo ? foram surpreendidos quando entraram na sala de aula
na manhã da segunda-feira 24. Inconformados com a instalação de câmeras para
vigiar as classes sem que para isso houvesse qualquer discussão anterior, e sob o
discurso de que estariam com a privacidade tolhida, os estudantes, em protesto,
ocuparam um dos principais pátios do colégio, dificultando a entrada dos demais
alunos ? 107 deles foram suspensos por um dia. Na quarta-feira 26, a diretora do
colégio, Esther Carvalho, admitiu que falhou ao não fazer um comunicado prévio
sobre a instalação das câmeras e os motivos que levaram à sua decisão.
Ela também explicou que a punição dada aos alunos não se deveu apenas ao
protesto da segunda-feira, mas foi uma resposta da escola a recorrentes atos de
indisciplina que o grupo vinha protagonizando nos últimos meses, desafiando a
direção, questionando notas e métodos de avaliação sem usar os canais adequados
para isso. Justa ou não a punição, o certo é que, durante a semana passada, as
câmeras instaladas dentro das salas de aula do Colégio Rio Branco viraram tema de
uma oportuna discussão sobre a necessidade e as consequências pedagógicas da
vigilância eletrônica em salas de aula.
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SURPRESA
Instalação de câmeras sem aviso-prévio
gerou protesto no Colégio Rio Branco (SP)
Câmeras na entrada, nas quadras e nos corredores de escolas particulares e
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SURPRESA
Instalação de câmeras sem aviso-prévio
gerou protesto no Colégio Rio Branco (SP)
Câmeras na entrada, nas quadras e nos corredores de escolas particulares e
públicas são comuns. A novidade, que não é uma exclusividade do Colégio Rio
Branco, foi a instalação das câmeras na sala de aula, o que divide a opinião dos
especialistas.
Os que se manifestam favoráveis à vigilância alegam que a indisciplina dos jovens
de hoje está tão fora do controle que qualquer ferramenta que ajude a policiá-los é
válida. ?Estamos vivendo em uma selva?, diz Victor Notrica, presidente do
Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro. ?É muito triste a
pessoa ter que se sentir vigiada, mas com os problemas de segurança e de disciplina
acaba sendo aceitável.? A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia,
Quézia Bombonatto, concorda com a necessidade de impor mais limites aos jovens
e acredita que a estratégia das câmeras não prejudica o aprendizado. ?Não podemos
condenar uma medida que, em última instância, vai acabar inibindo práticas
inadequadas, como o bullying?, avalia. ?Quanto ao professor, se o seu trabalho é
adequado às propostas pedagógicas da escola, não há com que se preocupar.
Pode ser até bom para evitar agressões contra o profissional, que são cada vez
mais comuns?, afirma.
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No colégio Alfa CEM, no Rio de Janeiro, por exemplo, as câmeras estão presentes
na sala de aula e são usadas para vigiar o comportamento dos alunos. Segundo a
diretora, Maria Carolina Alves, as imagens gravadas já foram usadas para provar a
alguns pais a participação de seus filhos em episódios de indisciplina. Em outro
colégio carioca, o Pensi Ipanema, a diretora, Débora Goulart, atesta os bons
resultados da medida adotada no ano passado. ?Inibe um pouco os alunos em
relação à bagunça?, diz ela. ?As carteiras e as paredes das salas estão mais limpas
e os adolescentes muito mais comportados?, relata a diretora.
Embora os resultados práticos da medida sejam positivos, a estratégia é
Embora os resultados práticos da medida sejam positivos, a estratégia é
questionável do ponto de vista da formação dos adolescentes. ?As normas precisam
ser interiorizadas para que a pessoa ganhe autonomia e não há como isso acontecer
em um ambiente que condiciona o bom comportamento à vigilância?, diz Silvia
Colello, professora de psicologia da educação na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP). ?Os jovens precisam ser conscientizados sobre
as regras de convivência, não coagidos a segui-las. Vamos ensiná-los a se comportar
só quando alguém estiver olhando??, pergunta.
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De acordo com os especialistas ouvidos por ISTOÉ, as câmeras podem ser uma
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De acordo com os especialistas ouvidos por ISTOÉ, as câmeras podem ser uma
solução urgente e concreta para os graves problemas de indisciplina enfrentados
pelas escolas atualmente, mas é necessário analisar a questão de forma mais ampla?
Não adianta só identificar o aluno que agrediu o colega. É preciso saber o que fazer
com ele, como garantir que ele não repita o ato. A escola não é um presídio onde a
regra é vigiar, ali a regra deve ser formar, ensinar?, diz Silvia, da USP. Para a
educadora, a escola é um microcosmo da sociedade e os conflitos são inevitáveis.
Por isso, as instâncias de mediação do colégio, que incluem professores,
coordenadores e inspetores, têm de saber como lidar com isso. ?Vigiar as salas só
vai fazer com que os alunos transfiram as práticas indesejadas para outros lugares,
sejam os banheiros, seja a calçada em frente à escola?, diz. Segundo ela, a imposição
de limites e o aprendizado das regras de convivência começam em casa. Mas, em
alguns casos, o que se vê são pais que reconhecem sua incapacidade de exercer a
autoridade e tentam transferir para a escola a função de controlar o filho.
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BIG BROTHER
Colégio Alfa CEM, no Rio: a direção diz
que a disciplina melhorou com a vigilância
A questão também é polêmica do ponto de vista do professor. As câmeras são
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BIG BROTHER
Colégio Alfa CEM, no Rio: a direção diz
que a disciplina melhorou com a vigilância
A questão também é polêmica do ponto de vista do professor. As câmeras são
aliadas na hora de garantir a disciplina e podem até funcionar como ferramenta de
aprimoramento profissional. Com elas, o docente passa a ter a possibilidade de
rever suas aulas e descobrir como melhorar. O equipamento de vigilância, porém,
pode prejudicar a espontaneidade na relação com o aluno ou na utilização de
métodos alternativos de ensino, como brincadeiras, por exemplo. ?Esse terceiro
elemento no ambiente sempre vai causar apreensão e inibir discussões sobre
assuntos polêmicos e necessários, como drogas e discriminação?, exemplifica
Silvia Bárbara, diretora da Federação dos Professores do Estado de São Paulo,
há mais de três décadas no magistério. A autoridade do docente para administrar
os conflitos dos seus alunos também fica em xeque, pois esse papel é transferido
para um árbitro que vai decidir com base nas filmagens.
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No Colégio Rio Branco, onde a polêmica se instalou, a direção da escola informa
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No Colégio Rio Branco, onde a polêmica se instalou, a direção da escola informa
que o equipamento de vigilância em sala de aula é parte de um projeto iniciado há
quatro anos. No total, a instituição conta agora com 112 câmeras. Elas foram
instaladas primeiramente nas áreas comuns e depois nos laboratórios. Apesar de
admitir que as imagens podem ocasionalmente ser usadas para a resolução de
conflitos entre os alunos e entre eles com os professores, a diretora garante que
esse uso será secundário. ?É para segurança patrimonial?, afirma a diretora Esther.
Depois de o episódio ganhar notoriedade, a direção da escola se reuniu com pais e
explicou os motivos que levaram o colégio a adotar a medida. Até o fim da semana,
porém, os alunos seguiam insatisfeitos. ?Quando um adolescente diz que não é
ouvido, é bom questionarmos se ele realmente não está sendo ouvido ou se apenas
suas demandas não foram integralmente atendidas, apesar de terem sido avaliadas?,
diz a diretora.
Fotos: Marcelo Justo/folhapress; reprodução
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