Publicado por Modelo Inicial
O acesso democrático às carreiras públicas, insculpido pela Constituição Federal de 1988, tem como estrutura basilar o princípio da isonomia entre os candidatos, com a finalidade de preencher a vaga com o mais qualificado ao cargo.
No entanto, infelizmente muitos candidatos esbarram em irregularidades no processo de seleção, não sendo suficiente o conhecimento técnico do candidato para o almejado resultado. As falhas são comuns, indo desde vícios nas exigências editalícias até equívocos da banca examinadora. Por isso, torna-se relevante o conhecimento do candidato dos vícios que podem ocorrer nos concursos públicos.
Citamos aqui alguns deles e vamos desenvolver ao longo dos dias individualmente as irregularidades e medidas cabíveis com modelo de recursos e ações.
- Questões envolvendo matérias não previstas em edital;
- Questões repetidas de outras provas – ausência de indeditismo;
- Erros grosseiros na correção;
- Banca de avaliação distinta da Banca nomeada por Portaria;
- Investigação social;
- Critérios subjetivos na análise de questões dissertativas, prova oral.
Como primeiro assunto, vamos trabalhar as medidas cabíveis quando as exigências editalícias desbordam do mínimo razoável, prejudicando a ampla competitividade.
A essência do concurso público é a busca do profissional mais qualificado para preencher seu quadro, para tanto, seleciona por meio do concurso público o mais apto ao cargo, como disciplina Marçal Justen Filho:
“O concurso público visa a selecionar os indivíduos titulares de maior capacidade para o desempenho das funções públicas inerentes aos cargos ou empregos públicos. Isso impõe um vínculo de pertinência e adequação entre as provas realizadas e as qualidades reputadas indispensáveis para o exercício das funções inerentes ao cargo ou emprego. (...) (in Curso de Direito Administrativo, 8ª ed. Pg.860)
Como destaca, deve existir um mínimo de pertinência entre as provas aplicadas e a qualificação mínima necessária ao cumprimento das futuras obrigações. No entanto, não raras as vezes em que nos deparamos com exigências excessivas no edital, em total incoerência ao objetivado no concurso público.
Vejamos por exemplo o estabelecimento de idade mínima para ingresso ao cargo público. Ao sumular a matéria, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que: “o limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do artigo 7º, inciso XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”(Súmula 683).
Trata-se de objetivar as normas e requisitos aplicáveis à seleção de cargos públicos. O posicionamento do STF é o de que inexiste possibilidade de fixação de limite de idade numa faixa etária em razão da atividade quando não existir a necessidade de maior vigor físico, conforme cristalino precedente:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL CIVIL. LIMITAÇÃO DE IDADE. ALEGADA AFRONTA AO ART. 7º, XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. Decisão: Cuida-se de agravo regimental interposto por ADEMIR DOS SANTOS FERREIRA, contra decisão de minha lavra assim ementada: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA CIVIL. LIMITAÇÃO DE IDADE. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. 1. A lei pode estabelecer limite de idade para inscrição em concurso público, desde que observado o princípio da razoabilidade. Precedentes: AI n. 722.490-AgR/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 06/03/2009, e RE n. 573.552-AgR/SC, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 23/05/2008 e monocraticamente, RE n. 634.702, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 09.11.2011 e ARE n. 650.261, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 18.08.2011. 2. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘APELAÇÃO CIVIL – AÇÃO DECLARATÓRIA – CONCURSO PÚBLICO – AGENTE POLICIAL – POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CURSOS DE FORMAÇÃO – LIMITE DE IDADE – RAZOABILIDADE – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. – É vedado à Administração estabelecer requisitos diferenciados de admissão em cargos públicos que tenham por motivos: o sexo, a idade, a cor ou o estado civil. Exceção à proibição se dá, quando, em razão das especificidades do cargo e das atribuições conferidas ao servidor, a discriminação seja justificável e, por óbvio razoável (Súmula 683 STF). (...). Publique-se. Int.. Brasília, 31 de outubro de 2012. Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente (ARE 678112 AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 31/10/2012, publicado em DJe-219 DIVULG 06/11/2012 PUBLIC 07/11/2012)
Assim, quando nos deparamos com um edital para o preenchimento de vagas que não se exige maior vigor físico para atender as demandas inerentes ao cargo, não há que se falar em estabelecimento de idade mínima.
O mesmo ocorre diante da exigência de provas físicas para o preenchimento de cargos de cunho meramente administrativo. Além da pertinência do vigor físico ao cargo, tem-se a necessidade de previsão legal para tal exigência, conforme posicionamento jurisprudencial:
AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA PROVA FÍSICA. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. CONCURSO PÚBLICO. ENGENHEIRO ELETRICISTA DA CEB DISTRIBUIÇÃO S/A. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. CORRIDA DE 12 MINUTOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ART. 37, II, DACF/88. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VIOLAÇÃO. NULIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1. Nosso sistema constitucional exige, para a imposição de teste de aptidão física em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal e do Princípio da Legalidade, a expressa previsão legislativa específica (assim entendida como lei em sentido material), e não apenas no edital do concurso. Jurisprudência do STF e STJ. 2. A previsão no Decreto Distrital nº 21.688/2000, art. 27, para a realização de provas na modalidade prática, aos entes integrantes da administração pública distrital, não satisfaz a exigência constitucional de lei em sentido material específica para a realização de prova de aptidão física. Precedente desta Corte. 3. A inexistência de lei específica a prever a prova física como requisito para o emprego público de engenheiro eletricista da CEB implica na nulidade da exigência editalícia e de sua aplicação ao caso concreto. 4. Apelação conhecida e provida. (TJ-DF - APC: 20150110026824, Relator: SIMONE LUCINDO, Data de Julgamento: 17/03/2016, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 25/04/2016. Pág.: 144)
Assim, diante da ausência de pertinência da exigência de prova física ao cargo previsto, tem-se clara quebra d o princípio da isonomia, pois concede ao candidato tratamento diferenciado, sem qualquer benefício ao interesse público.
Sabidamente, trata-se de preceito basilar e indispensável de todo e qualquer ato público, conforme leciona Adilson Abreu Dallari:
O princípio da isonomia é uma decorrência imediata do princípio republicano, motivo pelo qual o insuperável Geraldo Ataliba, às páginas 133 e ss. De seu República e Constituição (...), afirmou que ele se irradia sobre todos os dispositivos constitucionais, afetando tanto a elaboração das leis quanto todos os atos administrativos: “... Os poderes que de todos recebem devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade. A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicanamente, decidiu cria. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações do Estado...” (in Concurso Público e Constituição. Coordenador Fabrício Motta. Ed. Fórum, 2005. Pg.92)
Considerando-se a precitada finalidade do concurso púbico, conclui-se que o edital contraria o próprio princípio da finalidade, da eficiência e da razoabilidade, afinal, acaba excluindo inúmeros candidatos que seriam aptos ao desempenho das atividades do cargo.
A esse propósito, insta trazer à baila a lição do saudoso professor e magistrado Hely Lopes Meirelles, que assim assevera:
(...) todo ato administrativo, de qualquer autoridade ou Poder, para ser legítimo e operante, há que ser praticado em conformidade com a norma legal pertinente (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (princípio da finalidade), com a divulgação oficial necessária (princípio da publicidade) e com presteza e rendimento funcional (princípio da eficiência). Faltando, contrariando ou desviando-se desses princípios básicos, a Administração Pública vicia o ato, expondo-o a anulação por ela mesma ou pelo Poder Judiciário, se requerida pelo interessado. (in Direito Administrativo Brasileiro, 34ª Edição, 2008, Editora Malheiros, São Paulo, pg. 716)
Portanto, qualquer ato que venha a comprometer a igualdade entre os participantes de um concurso deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Em casos como estes, perfeitamente cabível a impugnação prévia ao edital. E, na manutenção do instrumento convocatório nos mesmos termos impugnados, cabe a impetração de um Mandado de Segurança, conforme modelo disponível aqui:
Nenhum comentário:
Postar um comentário