Por Iverson Kech Ferreira
Não é apenas nos livros de grandes historiadores que encontramos a verdadeira essência do mal da guerra e o que ela causou nas vidas antes vividas com o laço da ternura infantil. A Mala de Hana não é apenas uma história da guerra, mas, também, uma mensagem de tolerância para os próximos comandantes do mundo, que hoje leem suas páginas com o olhar tenro da infância.
Li A Mala de Hana dia desses, pois emprestamos o livro para nossos filhos entenderem e lerem sobre a segregação e alguns aspectos referentes a Segunda Guerra Mundial que somente um livro infantil poderia sintetizar de forma educativa às crianças e adolescentes, sem macular a história e com a preocupação em informar deixando certas peculiaridades quanto às atrocidades do homem para outro período de estudo e idade.
De fato, me emocionei com a obra, de pouco mais de cem páginas, escrita pela canadense Karen Levine em 2002, por dois aspectos que chamam a atenção de nós, operadores do direito: o primeiro diz respeito à história particular de uma família normal vivendo na pequena cidade de Nove Mesto, na antiga Tchecoslováquia, nos anos anteriores à Guerra, trazendo os peculiares passatempos das crianças e sua interação com outras crianças, que não possuíam desde suas raízes no seio familiar o conhecimento para dizer quem era ou não realmente Tcheco, quem era ou não Judeu, quem era descendente de quem, afinal.
O segundo aspecto triunfal da obra de Levine e que chama atenção por sua sutileza, uma vez que conta a realidade com certa parcimônia tendo em vista seu público infanto-juvenil, é a forma com a qual o novo regime nazista até então, se impõe determinando algumas regras e normas que vão minando e interferindo nas vidas que antes livremente agiam na pequena Nove Mesto.
A cidade abrigava pouco mais de quatro mil pessoas em 1930, situando-se na província da Morávia, famosa por seu inverno que encaminhava os turistas aos seus lagos congelados e suas montanhas, fazendo da patinação, do esqui e das aventuras nas trilhas em meio a neve seus atrativos principais.
Pode-se dizer que a família de Hana era considerada tradicional naqueles moldes de sociedade em que viviam, tiravam seu sustento do comércio que possuíam, uma pequena mercearia onde vendiam as guloseimas saborosas feitas pela mãe de Hana. Moravam no segundo andar da venda, e, nas manhãs frias de domingo, os irmãos rumavam para o quarto dos pais e se aconchegavam todos debaixo dos cobertores sem preocupação com horários de escola ou trabalho.
A essência do livro A Mala de Hana é contar a real história de Hana Brady e sua família, que descendiam de Judeus e viviam na cidade desde antes do nascimento de Hana e seu irmão George, 11 e 14 anos, respectivamente. Na verdade, nem mesmo alguns moradores da pequena cidade sabiam a respeito das origens dos Brady, o que fica claro em um dos trechos de A Mala de Hana, quando há um encontro familiar onde questionavam se realmente haveria algum perigo contra eles, tão enraizados na história e na vida da cidade Tcheca.
Primeiro, a partir da dominação nazista, passaram a ser obrigados a usar a estrela pregada em suas roupas, que significava a descendência e sua diferença frente àqueles que não as usavam.
A partir da ocupação as coisas foram ficando piores para a família de Hana, a princípio, as crianças sofreram por não entender os motivos e por ter sido tirado tudo aquilo que fazia delas crianças: os sonhos. Numa passagem há o questionamento da criança aos motivos de não poder, livremente, viver: “Por que isso está acontecendo conosco? Por que não posso ir ao cinema? Por que não posso simplesmente ignorar a placa? ”
As restrições aumentavam e as pessoas não mais podiam ir aos parques e cinemas, que passaram a proibir a presença daqueles que usavam a estrela, com uma ordem em uma placa fixada em sua entrada. Com o passar do tempo, Hana não poderia mais, com seu irmão, esquiar no lago que ficava próximo a sua casa, nem brincar no ginásio da cidade, nem ao menos, ir à escola.
Em determinado momento sua mãe é convocada a se apresentar à Gestapo:
Chegou uma carta, ordenando que Mamãe comparecesse às nove horas da manhã no quartel general da Gestapo em Iglau, uma cidade próxima. Para que chegasse lá na hora, ela teria de sair no meio da noite. Tinha apenas um dia para organizar todas as suas coisas e se despedir da família. Ela chamou Hana e George na sala de estar, sentou-se no sofá e puxou as crianças para junto de si. Disse que tinha de viajar por um tempo. Hana deu um abraço apertado na mãe. – Vocês têm de ser bonzinhos enquanto eu estiver fora – disse ela. – Prestem atenção ao Papai e obedeçam-no. Eu escreverei – prometeu. – Vocês vão escrever para mim? George olhou para baixo. Hana tremeu. As crianças estavam chocadas demais para responder. Nunca tinham ficado longe da mãe. Quando Mamãe colocou Hana na cama naquela noite, ela abraçou a filha com força. Correu os dedos pelos cabelos de Hana, do mesmo jeito que fazia quando Hana era pequena. E cantou a canção de ninar favorita da filha, várias vezes. Hana adormeceu com os braços em volta do pescoço da mãe. De manhã, quando Hana acordou, Mamãe tinha ido embora.
Fora levada para Ravensbruck, um campo de concentração na Alemanha somente para mulheres; após esse episódio, nunca mais viriam a mãe novamente.
Com o passar do tempo, seu pai também seria preso pela Gestapo e levado a um campo de concentração, bem como, Hana e seu irmão que juntos foram colocados em Theresienstadt, e com o tempo, separados. Como George entendia de carpintaria e encanamento, pois muito auxiliava seu pai na cidade onde moravam, assumiu certa importância no campo de concentração ajudando nas instalações nazistas, arrumando aqui e ali canos e fiações elétricas.
Hana não teve a mesma sorte, sendo levada tempos depois à Auschwitz e conduzida à câmara de gás, onde deu seu último suspiro infantil.
A Mala de Hana serve para enxergar o Holocausto pelos olhos das crianças que passaram por esse momento de falta de razão humana. Ainda, existem aqueles poucos que dizem não terem ocorrido tais atos, certamente, não para eles.
Mesmo na pequena cidade de Nove Mesto haviam várias pessoas de inúmeras descendências, todas aquelas que possuíam uma tênue relação com os judeus ou com outros povos que não fossem aqueles que habitavam a cidade por um grande período de tempo seriam capturadas e levadas à mais baixa interpretação de vida, tendo desprezada toda a humanidade que existe e toda a razão presente no ser. Jogados em campos de concentração e de lá conduzidos à morte pelas câmaras de onde fluíam ou o gás ou enxofre e fogo, pelo mando e desmando de um louco e seus ignóbeis mandamentos.
Fico feliz em termos trazido o livro A Mala de Hana para casa e mostrado às nossas crianças o que o ódio, a falta de razão e o puro racismo podem fazer e como e quanto devemos lutar contra esses fantasmas desde cedo e que, muitas vezes teimam em voltar, de tempos em tempos.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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