Cérebro humano e as quatro visões de mundo:
“Nós juntos com eles”,
“Nós distantes deles”,
“Nós explorando eles” e
“Nós sem eles”.
Desde que o mundo é mundo há os iguais que são mais iguais que os outros (ou seja: mais iguais que os desiguais). Há cérebros que veem mais o que as pessoas possuem em comum do que o que as divide. Outros dão mais importância ao que diferencia um humano do outro. Essa é uma clássica díade. Mas o mundo complexo permite identificar outros formatos de cérebros. Há aqueles que se aproveitam das desigualdades para explorá-las, em seu benefício. Há ainda os que pensam que o melhor é viver sem os desiguais e sem os diferentes. As quatro visões de mundo (Weltanschauung) são as seguintes:
1. “Nós juntos com eles”. Essa visão de mundo sustenta que a igualdade (no desfrute dos direitos) é a regra; a desigualdade é exceção e precisa ser justificada (Bobbio). Trata-se de uma visão inclusiva, salvo exceções. Lógica da inclusão mais inclusiva possível. O humano tem que ter suas necessidades preenchidas (só pelo fato de ser humano). O trabalho digno com salário digno é o caminho para a satisfação dessas necessidades. Seu espírito é o dos mosqueteiros (vamos juntos e fazemos juntos).
A neorociência ajuda a explicar esse tipo de cérebro. Um estudo da Universidade de Nova York, publicado na revistaNature Neuroscience (ver P. Bermejo, Quiero tu voto, p. 55), constatou que ele tem maior atividade na área cerebral chamada córtex cingulado anterior (zona de controle dos conflitos), que reage em situações conflitivas (e tende a buscar solução inclusiva para o conflito). É um cérebro que aceita enfrentar os perigos e as mudanças. É mais flexível, mais aberto e busca não aprofundar as divisões da sociedade. Apresenta várias soluções para os problemas. São menos fieis às suas agremiações (se desgarram com mais facilidade). No campo político, criam mais partidos. Castigam com rigor a má gestão dos seus representantes (nas eleições de 2006 muitos que tinham votado em Lula em 2002 deixaram de fazê-lo em razão do escândalo do mensalão que eclodiu em 2005).
Os cérebros que pensam dessa forma (inclusiva) possui amigdalas menores (ver estudo da University College de Londres – P. Bermejo, Quiero su voto, p. 56). Logo, há menos aversão a perdas; correm mais riscos. São menos suscetíveis aos medos que imobilizam outras pessoas. Percebem os riscos de forma diferente. São mais abertos em temas como religião. Colocados diante de imagens de perigo, apresentam menor sudoração (porque sentem menos medo e menos ansiedade); e também menos movimentos oculares (eye tracking) (P. Bermejo, citado, p. 57).
Todos os experimentos foram feitos também com ressonância magnética e os resultados se confirmaram. Os inclusivos focam na “busca de soluções”. Buscam pontes de união entre o “nós”, de um lado, e o “eles”, de outro. No plano da política econômica são dessa linhagem o keynesianismo, a social-democracia e o estado de bem-estar social.
2. “Nós distantes deles”. “Nós” somos “nós” e “eles” são “eles. A desigualdade (no desfrute dos direitos) é a regra; se alguma igualdade deve ser acolhida, ela é que precisa ser justificada (Bobbio). Sua racionalidade e sua lógica é a da exclusão, salvo exceções. Mais que excluí-los, com frequência promovem a eliminação simbólica dos “eles”, por meio da absoluta indiferença. O que manda é o mérito individual e a posição social de cada um. Contam sempre a fábula da formiga e da cigarra. Nós somos as formigas que trabalham; as cigarras que querem boa vida devem ficar distantes. Naquele estudo da Universidade de Nova York, publicado na revista Nature Neuroscience (ver P. Bermejo, Quiero tu voto, p. 55), se constatou que esse tipo de cérebro é menos flexível e tem menos tolerância com as situações de conflito (ativa menos o córtex cingulado anterior). Qualquer perigo é uma ameaça. Não aceitam facilmente as mudanças. Concordam com as divisões e desigualdades da sociedade. “Nós” para um lado e “eles” para outro.
Na hora de solucionar um conflito, sua ideia é fixa. São mais fieis às agremiações a que pertencem. No momento das eleições, são mais fieis aos seus partidos. E veem partidos novos com desconfiança. Melhor é a tradição. Quando seu partido faz uma má gestão, o castigo é mais suave. É mais tolerante com seus companheiros (sobretudo com a corrupção dos seus companheiros).
Outra descoberta neurocientífica importante foi a seguinte: um experimento da University College de Londres (Reino Unido) sugere que os cérebros dos que pensam “nós separados deles” têm amigdalas (cerebelosas) maiores dos que pensam o contrário (nós juntos com eles). Isso tem a ver com a aversão a perdas assim como com algumas condutas de medo (P. Bermejo, Quiero su voto, p. 56). O desconhecido inibe e imobiliza (daí a refutação do homossexualismo, da imigração, das mudanças da sociedade, das novas energias, do aborto etc.). Não gostam de desafios em relação ao novo e ao diferente. São mais fieis a suas religiões.
Colocados diante de imagens de perigo, apresentam maior sudoração (porque sentem mais medo e ansiedade) e mais movimentos oculares (eye tracking) (P. Bermejo, citado, p. 57). Tudo se confirmou por ressonância magnética. Os cérebros exclusivistas focam nos problemas, não na busca de soluções.
3. “Nós explorando eles”. Essa terceira visão de mundo corresponde à ideologia da kleptocracia (com k, é neologismo). Kleptocracia é o sistema de governo extrativista que promove o enriquecimento criminoso (corrupto) ou politicamente favorecido das elites bem posicionadas dentro do Estado. É um sistema voltado para a acumulação de riqueza das elites. A desigualdade é tão natural como o ar que respiramos. Da natureza e dos desiguais cabe extrair o máximo possível de utilidade (e de riqueza). O lema da kleptocracia foi lançado por Hernán Cortês (quando invadiu o México, em 1519): “Viemos aqui para servir a Deus e também para enriquecer”.
Até onde as leis (“compradas”) permitirem, a escravidão é a melhor forma de aproveitamento dos desiguais. “Os humanos que têm os mesmos vícios se sustentam mutuamente” (Juvenal). Os poucos que comandam ou que governam os destinos da nação (as elites) são mais preparados e mais “esforçados” (diz a bandeira saudosamente aristocrata). Seria natural, então, ficar com eles a maior parte da riqueza produzida. As melhores políticas públicas são as que privilegiam aqueles que proporcionam condições de sobrevivência para os desiguais.
Não são proclives a mudanças. Não lhes interessa a evolução dos desiguais. São contrários às mobilidades sociais. Não querem dividir equitativamente o bolo (da riqueza da nação). São opositores das ideias de oportunidades iguais a todos (o que se conseguiria pela educação de qualidade universal). Seu espírito é o do Robin Hood invertido: rouba de todos ou se aproveita de todos para enriquecer (mais ainda) as elites. Isso é feito até o momento em que as instituições de controle (jurídicas) começam a funcionar. Nesse caso, muitos deles vão para a cadeia. Também até o instante em que a sociedade aceita ser servil. Quando ela se aborrece de sua servidão, ela se revolta. A política, para esse tipo de cérebro, “é a arte de servir-se dos humanos fazendo-lhes crer que o político existe para servi-los” (Louis Dumur).
4. “Nós sem eles”. Reina aqui a lógica do conflito total. Da Guerra. Os desiguais e os diferentes são “inimigos”. São intoleráveis. Na medida em que se tornam inúteis ou perturbadores, devem ser eliminados. Tolerância zero em relação a eles. Os que não puderem ser expulsos ou encarcerados, devem ser exterminados. A imigração de pessoas (favorecida pela globalização dos mercados e das finanças) é sempre uma ameaça. Imigrantes e refugiados pobres com diferentes tradições culturais geram riscos para a identidade nacional. O “nós sem eles” aprofunda as divisões do mundo e partem sempre para o conflito (às vezes para a guerra). Antes de tudo, retoricamente. Depois, efetivamente. Quando os “eles” se organizam, nesse caso, a guerra se instala (na forma tradicional ou na forma terrorista).
Observação final: o que acaba de ser narrado é uma síntese das quatro formas de ver o mundo. É muito difícil qualquer discussão frutífera entre os cérebros do primeiro grupo e os dos demais. O desconhecimento do funcionamento do cérebro, desde logo, prejudica qualquer debate proveitoso. Um terceiro que presencie um debate desse tipo vai concordar com as teses da sua convicção (viés da confirmação). Discordará totalmente das posições contrárias (viés da desconformidade). E, no final, só memoriza o que interessa (viés da memorização).
O cérebro de cada grupo está cego para os erros (e a corrupção, desde logo) do seu próprio grupo. Só vê os erros dos outros. É um jogo de forças. Logo depois da 2ª Guerra Mundial, na Europa, a 1ª foi amplamente vitoriosa. Dos anos 80 para frente preponderam as demais forças. As elites brasileiras kleptocratas sempre se identificaram mais com a terceira. E assim as elites comandaram a construção de um país extremamente desigual e sistemicamente corrupto. É contra essas elites e sua mentalidade que temos que lutar para alcançar um Brasil novo (refundado).