Há uma tendência histórica e equivocada de entender a palavra escrita como sinônimo de verdade. Na era digital, em que as informações são compartilhadas em tempo real e com alcance quase ilimitado, faz-se imprescindível a leitura crítica e a avaliação da origem das informações
Há muitos anos, li, em algum lugar, que as pessoas tendem a acreditar em tudo o que é escrito. Não me preocupei em guardar quem disse ou onde disse, mas a afirmação me instigou todo este tempo, voltando à memória em diversas situações e sempre se confirmando.
Vejo com maior frequência as pessoas duvidarem de algo que ouvem do que de algo que leem.
Esta tendência pode ter diversas origens sociológicas, históricas e até morais e éticas.
Uma pessoa que se preocupa com a própria reputação, que zela pelo “seu nome”, pela sua honra, pensa duas vezes antes de escrever alguma coisa e de assinar o que escreveu.
Não é à toa a expressão popular: “ o que ele fala não se escreve”, para fazer referência a pessoas não confiáveis. O dito reforça a ideia de que podemos ser irresponsáveis ao falar: “palavras o vento leva”, mas não ao escrever.
No passado, poucos privilegiados tinham acesso à escrita. Eram pessoas que detinham o poder, que tiveram acesso à cultura, às ciências, portanto, vistas pela população como detentoras do saber e da verdade. A Escrita era um mistério, algo poderoso, destinado aos “eleitos”, que não deviam ser questionados. Os livros e a Escrita tinham um quê de prestígio e de sagrado. Até porque a Igreja detinha grandes bibliotecas, alta quantidade de escribas e os “segredos divinos”.
Se fizermos, hoje, uma consulta no Google com a expressão “o que está escrito é verdade”, aparecerão diversas referências à Bíblia, tais como: “Está escrito.”; e “Tudo o que está nela representa a Verdade”.
Motivos culturais para a valorização da escrita, portanto, não faltam. Falta exatamente o contrário, o estímulo à reflexão, ao questionamento do se lê. A Escrita foi democratizada, os mistérios foram revelados, a diversidade e a liberdade de religião são valores vigentes na sociedade atual, mas muitas pessoas ainda consideram a palavra escrita como sinônimo de Verdade.
O texto escrito precisa ser encarado como mais uma forma de comunicação e de expressão do pensamento.
Há, também, que se distinguir um documento oficial, tal como uma certidão, um registro público, um contrato, de um documento pessoal ou de um texto jornalístico, por exemplo.
Todo indivíduo alfabetizado é capaz de produzir documentos escritos, nem todos relevantes e verdadeiros.
Uma pessoa sem caráter, mentirosa, manipuladora, não se transforma em sincera, ética e isenta ao escrever. Se o texto produzido contiver uma opinião, ele trará a visão de mundo de seu autor e traduzirá sua personalidade.
Acredito que algumas pessoas continuem mais responsáveis ao escrever, em especial quando o documento gerado puder afetar sua imagem, sua posição social ou financeira – quando trouxer sua identificação, sua assinatura. Embora isso não possa ser generalizado. Há quem não se preocupe com a opinião alheia ou até quem se considere acima de qualquer julgamento.
A era digital, o surgimento dos e-mails e, principalmente, das redes sociais, fez aumentar a sensação de impunidade, pois qualquer um pode se esconder por trás de um perfil falso. Anônimo, o indivíduo se permite dizer o que quer, sem compromisso com os fatos, com as evidências, com a civilidade. Já se consolidou, inclusive, a definição de “haters” para alguns internautas que agridem tudo e todos.
Além da produção de textos mentirosos e/ou agressivos, há também a divulgação de textos falsamente atribuídos a personalidades reconhecidas pela sociedade, de modo a conferir-lhes credibilidade.[1]
Neste contexto, a falta de criticidade do leitor pode causar estragos consideráveis, pois os textos são compartilhados de forma rápida e com grande alcance.
Outro dia, um amigo publicou uma imagem na rede social, onde estava escrita uma suposta declaração de um político. O teor da declaração me pareceu tão absurda, que perguntei ao amigo se o tal político havia, de fato, dito aquilo. A resposta foi: “não sei, mas a página que divulgou costuma ser confiável”.
Meu amigo não questionou a mensagem escrita e a multiplicou na rede social.
Se uma boa parte de seus amigos também entender a mensagem como verdadeira, possivelmente ficará indignada e a multiplicará, colando aquela declaração e aquele pensamento ao político em questão, justa ou injustamente.
Está cada vez mais difícil diferenciar o que é depoimento, o que é propaganda pessoal ou ideológica, o que é opinião e, infelizmente, o que é tentativa de manipulação de pessoas, difamação ou brincadeira de mau gosto.
Na dúvida, pesquise, avalie e, se não tiver convicção da veracidade da informação, não passe adiante. Nem tudo o que está escrito é Verdade.
[1] Há diversas referências na Internet a celebridades que negam a autoria de textos que lhes são atribuídos. Encontrei, inclusive, um endereço:www.recantodasletras.com.br, que se propõe a listar “textos com autorias trocadas e/ou falta do devido destaque aos verdadeiros circulando na Rede”
Fonte: Marisa Pignataro - http://www.administradores.com.br/artigos/cotidiano/o-risco-de-assumir-toda-palavra-escrita-como-ver...
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