Por Walter Hupsel | On The Rocks – qui, 2 de mai de 2013
Está sendo orquestrado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o maior golpe na república brasileira desde o primeiro de abril de 1964. E há uma enorme relação entre ambos (em tempo: não acho que passará em plenário)
Em votação simbólica, a CCJ aprovou um projeto de emenda constitucional que, na prática, acaba com duas prerrogativas do Supremo Tribunal Federal (STF). O controle constitucional e com a súmula vinculante, uma espécie de jurisprudência que obriga decisões de outras instâncias no mesmo sentido.
Segundo a PEC, o STF só poderia declarar a inconstitucionalidade de uma lei por uma maioria de 4/5 dos votos, uma quase unanimidade. Além, esta declaração ainda teria que ser aprovada pelo Congresso depois da decisão do Supremo.
Ou seja, se a PEC for aprovada teremos um Guardião da Constituição e um Guardião do Guardião da Constituição.
Em outras palavras. Curto-circuito. O legislativo se arvorará a julgar se as leis que ele criou são ou não legais. Curioso desenho. O congresso faz uma lei, o STF declara que é inconstitucional, o Congresso – que a fez – reitera sua constitucionalidade.
Neste caso de conflito, decidiria o povo. Em um primeiro momento, parece interessante. Mas o povo aparece sempre como último refúgio. É preciso ter muito cuidado com a defesa da democracia direta ou plebiscitária. Como já sabia Sócrates, pode ser converter em uma tirania da maioria, e isso significa por em riscos as minorias.
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De maneira estabanada, e politicamente orientada, alguns analistas atribuíram este ataque da CCJ à retaliação por conta do julgamento do “Mensalão”. É preciso muita imaginação e criatividade para enxergar em um Projeto de Emenda Constitucional que versa sobre a súmula vinculante e sobre o foro adequado para se declarar a constitucionalidade de uma lei algo que tenha qualquer relação com o “mensalão”.
Matérias distintas, prerrogativas idem.
Outros apontam que a irritação dos deputados seria por conta da aprovação, na Corte, do casamento igualitário.
Aqui temos um ponto. O proponente da PEC demonstrou claramente sua revolta com o STF fazer o “papel de legislador” quando aceitou a constitucionalidade do casamento igualitário e do aborto de anencéfalos.
Pululalam críticas ao “ativismo judiciário” ou à “judicialização da política”.
Esta ótica é completamente descabida de sentido. Só aqueles que querem crer na neutralidade política da lei podem acreditar nisso. A Constituição, Carta Magna, é antes de tudo um documento político!
Quem tem o poder de interpretá-la, quem “guarda a constituição”, é, logo, um ator político. Quem interpreta as normas, as cria também. E quem tem a prerrogativa de interpretação final, é, em última instância, o legislador final.
Mas isso revela o caráter político do jurídico, o que é inconveniente à ideologia do direito.
Assim, o Supremo Tribunal é um órgão político e, logo, também legiferante. E o é em qualquer lugar do mundo.
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O que, então, se passa na CCJ?
Para entender é necessário, primeiro, ver a sua composição e os votos. A proposta desta PEC veio do deputado Nazareno Fontelenes (PT-PI), o que motivou a interpretação politicamente enviesada já mencionada acima, por parte de uma grande revista nacional.
Acusou-se, claro, o PT. Seria um projeto do partido para dar um golpe institucional e calar o STF por conta do “Mensalão”. Parece que funciona para a classe média: culpe o PT por toda e qualquer coisa.
Mas esqueceram que o relator da PEC era João Campos (PSDB-GO), que deu parecer favorável.
Esqueceram também que foi uma votação simbólica, o que significa um certo consenso dentro Comissão de Constituição e Justiça. Ou seja, a PEC 33/2011 não representa um partido, o governo ou a oposição, mas o Congresso Nacional, ou uma parte dele.
Neste sentido, Fernando Limongi foi preciso. Percebeu que é uma briga de poderes, não de partidos.
Mas a intenção do Congresso não é nobre e nem visa reestabelecer o equilíbrio entre os poderes dado o “casuísmo” do Supremo Tribunal. O Congresso age para aumentar seu poder e, consequentemente, o custo de sua barganha.
Há dois vetores diferentes mas que, curiosamente, se complementam. O vetor vertical é a tendência ao “governismo” que é incentivado pelas regras do jogo. Dada a distribuição de recursos e uma centralização destes em verbas com alto grau de discricionariedade. Isso faz com que seja muito custoso pra um deputado se manter, de fato, não de direito, na oposição.
Assim, o Executivo tem – não sem muita negociação – uma base considerável, que lhe dá, em matérias programáticas, garante a estabilidade do governo e a aprovação das suas pautas.
Mas há um outro vetor, horizontal, que diz respeito apenas ao interno, ao congresso em si mesmo e não na relação com o executivo. Neste sentido o congresso é uma instituição que transita, sem nenhuma contradição, entre a unidade e a fragmentação.
A fragmentação é bastante perceptível quando o olhamos na transversalidade. Bancadas de interesses perpassam os partidos, unem políticos de partidos adversários, separam colegas. A bancada de um estado se une para defendê-lo, os deputados do agrobusiness ou religiosa agem, muitas vezes, contra os valores que, teoricamente, seus partidos defendem.
Por outro lado, a unidade é dada pela ideia de corporação, de defesa de interesses do grupo, da função. Assim, antes de tudo, um deputado é ... deputado! Não de um partido ou de outro, representante de um estado, uma região. Ser deputado os une, mais que qualquer outra forma de identidade.
O que a PEC 33 significa, nesta decomposição de vetores?
Que a Comissão de Constituição e Justiça, auto-interessada, está tentando agir para aumentar o poder do Congresso sobre os outros dois poderes. Por isso foi aprovado de maneira simbólica e uniu tanta gente de partidos e intenções diferentes. Os motivos, aqui, somam-se ao invés de se contraporem.
O Congresso quer ser a esfera legislativa e a que controla a lei e a guarda. Ou seja, o Poder dos Poderes, a primeira e última instância. Um "Poder Constituinte permante" (na expressão do amigo Raphael Neves), que faz as leis e as julga procedentes.
Há, em curso, uma certa autonomização da representação legislativa, uma mudança da sua característica. Um processo em germe que trará consequências profundas (mas que não dá pra dizer ainda quais), e a aprovação da PEC 33 pela CCJ, mais do que qualquer outra coisa, revela este movimento.
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