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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

"Posição hierárquica não fundamenta o domínio do fato"


A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização precisa ter emitido uma ordem para que seja condenada pelo crime. O esclarecimento sobre a comentada teoria do domínio do fato foi feito pelo seu principal estudioso, Claus Roxin, em entrevista ao jornal Tribunal do Advogado, da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro.

O professor alemão, de 81 anos, esteve no Brasil na semana passada, momento em 
que os debates sobre a teoria à qual se dedicou por tanto tempo atingiram o seu auge
 no Brasil, ao ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mensalão.
“O 'ter de saber' não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um 
conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto 
conhecimento vem do Direito anglo-saxônico. Não a considero correta”, ensina o 
professor emérito da Faculdade de Munique.
Conhecendo a posição do criador da teoria, a defesa do ex-ministro José Dirceu vai 
pedir a ele um parecer jurídico sobre o caso, segundo noticiou o jornal Folha de São 
Paulo
Em entrevista ao jornal, o alemão disse que a teoria tem sido utilizada de forma errada
no Brasil.
Leia a entrevista concedida ao jornal Tribuna do Advogado:
A teoria do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da Ação 
Penal 470. Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve 
apresentação?
Claus Roxin 
— A teoria do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a
 desenvolveu em todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com cerca 
de 700 páginas. Minha motivação foram os crimes cometidos à época do nacional-
socialismo.
A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido
delitos pelas próprias mãos — por exemplo, o disparo contra judeus —, enquanto 
sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser 
responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato 
organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também 
deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da 
época.
De início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi cada vez mais
aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo, grandes êxitos foram obtidos, 
sobretudo na América do Sul, onde a teoria foi aplicada com sucesso no processo 
contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, considerando seus 
integrantesautores, assim como na responsabilização do ex-presidente peruano Alberto
Fujimori por diversos crimes cometidos durante seu governo.
 Posteriormente, o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso Superior Tribunal
 de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar os casos de crimes na Alemanha
Oriental, especialmente as ordens para disparar contra aqueles que tentassem fugir 
para a Alemanha Ocidental atravessando a fronteira entre os dois países. A teoria 
também foi adotada pelo Tribunal Penal Internacional e consta em seu estatuto.
Seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a 
condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime
partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar 
determinada posição hierárquica?
Claus Roxin — Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo
de uma organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os 
acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta
o domínio do fato. O 'ter de saber' não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento 
real e não um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um 
suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.
No caso de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e homicídios que foram 
realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do Peru exigiu as provas desses fatos
para condená-lo. No caso dos atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os acusados 
foram os membros do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que deram 
ordem para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a fronteira e fugir 
para a Alemanha Ocidental.
É possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para 
fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por 
dirigentes governamentais em uma democracia?
Claus Roxin 
— Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de 
fachada, onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados 
dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à 
criminalidade de agentes do Estado. O critério com que trabalho é a dissociação do 
Direito (Rechtsgelöstheit). A característica de todos os aparatos organizados de 
poder é que estejam fora da ordem jurídica.
Em uma democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo ilícito, as 
pessoas têm o conhecimento de que poderão responder por isso. Somente em um 
regime autoritário pode-se atuar com a certeza de que nada vai acontecer, com a 
garantia da ditadura.
Revista Consultor Jurídico, 15 de novembro de 2012

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