Mentes que visitam

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que
 já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,cobiçando seus lugares, 
talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas 
alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade 
cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário 
geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, 
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe
rir de seus tropeços, 
não se encanta com triunfos, 
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade,
Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!

Mario de Andrade (1893 - 1945)

A ERA DOS SURTADOS

Alberto Afonso Landa Camargo

O mundo vive um surto de paranoia. Qualquer coisa que se diga ou se escreva acaba se identificando com alguém em algum lugar do planeta e sempre haverá um indivíduo para esbravejar contra o “ataque pessoal desferido”. A quantidade de surtos está tão evoluída, que escrever um artigo, uma crônica, contar piada, descrever um fato, valer-se da história para justificar teses, ou interpretar e comentar uma mensagem na internete já é suficiente para que alguém acabe se identificando com algum detalhe textual. Isto quando não “veem nas entrelinhas” intenções outras do autor. Daí para um surto paranóico é só uma questão de tempo. É o que a minha avó chamava de “mania de perseguição”. “Não olha pra ele, meu filho – dizia ela – que ele tem mania de perseguição e vai te destratar”.

Os surtos já chegaram a tal ponto, que até aquela antiga e inocente paquera na rua ou num barzinho, aquele olhar de relance para uma mulher, já é suficiente para que seja interpretado como uma ofensa, quem sabe a identificação de alguma coisa errada na roupa, na maquiagem, no cabelo ou no corpo. Se olhar para os pés, então, é porque o problema é o joanete.

O mundo está assim. Sair na rua tornou-se um problema. Olhar para cima só para admirar o detalhe de uma construção já é suficiente para que achem que o cara é um voyeur que quer olhar para dentro dos apartamentos para ver alguma coisa que o deixe sexualmente excitado. Se sorrir inocentemente para uma criança, estamos diante de um tarado pedófilo.

Para os que, como eu, escrevem poesias de vez em quando há sempre alguma vantagem, o que indica que nem tudo é um caos, pois sempre haverá alguém a ler o poema para, num pequeno momento de romantismo, dizer: “identifiquei-me nestes versos, ele escreveu para mim”.

Deve ser para se livrar dos surtos paranoicos que alguns autores de livros têm o hábito de se utilizar daquela expressão que diz que “qualquer semelhança com fatos ou pessoas na vida real terá sido mera coincidência”. Mesmo assim, muitas vezes esta precaução é inútil, pois o grau do surto e as causas que contribuem para com ele neste mundo de atribulações são tão grandes, que sempre haverá um se identificando com alguma passagem do livro e esbravejando para soltar impropérios por ter sido “atacado pelo autor”.

É por isto, prezados leitores, que eu encerro esta mal escrita e inútil crônica dizendo que “qualquer coisa que eu aqui escrevi que tenha semelhança com fatos ou pessoas na vida real terá sido mera coincidência”.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tudo que quero

Textos perdidos (Tudo que quero)

Descobri!!! Não existem mais contos de fada, não existem, mas será que não restou nada?

Não exijo um castelo, mas quero ter um elo forte, uma carruagem chamada táxi (bicicleta também está valendo!), quero alguém que me ache, me chame, que me clame em silêncio e não peça perdão.
Um príncipe é chato, quero um gato, não precisa ser alto, musculoso ou lindo, mas não dispenso um sorriso malicioso de quem sabe o que quer. Pode ter uma pitada de timidez e outra de altivez, desde que me conceda sempre a sua vez.
Quero alguém que me surpreenda na escada,  que chame de amada e se mantenha assim. Quero flores do vizinho, quero alguém com quem sorrir baixinho no meio da multidão, quero um olhar de compreensão ao invés da solidão quando a TPM chegar.
Preciso das mãos sem frescuras, mas bem cuidadas ... Indiscretas e secretas ... mãos para cafuné, para tomar café, para recebê-lo, para dá-lo. Também as quero entrelaçadas as minhas, tapando meus olhos, me guiando, me levando mesmo que a boca grite. Quero mãos que assim como as minhas supliquem o corpo.
Não sonho com alguém que mate dragões, já basta que não alimente ou crie ilusões. Ah! Se houvesse uma companhia para serões, para pular portões pelo simples prazer de beijar escondido. Companhia para saraus de tudo que foi lido, para confessar segredos escondidos e chorar junto o que não foi esquecido.
O que mais quero é alguém que me olhe e me veja, que sinta prazer em descobrir o que sou, que me diga onde estou e me ofereça seus gols. Eu almejo um olhar de desagrado quando outros olhares me seguirem, mas é necessário que dê um sorriso debochado quando meu vestido encurtar, meu peso subir e quando, após umas cervejas compartilhadas, um dos dois cair.
Quero um amor pra sorrir, pra vir quando menos espero. Quando pensar que menos desejo sua aparição ele deve surgir e ficar sem que eu tenha que ligar.
Um amor precisa saber te jogar na mesa sem leveza e depois te levar pra ver o pôr-do-sol.
Quero carinho, mesmo quando esbravejar, quero reconhecer no olhar raivoso o homem amoroso para quem me doei.
No meu conto de fadas não existem santos, mas seres humanos recheados de erros. Quero alguém que saiba escutar e se fazer ouvir e depois de tudo diga: vem aqui ... Alguém que preze quando ouvir: preciso de ti!
Espero por um amor que fique ... por um coração que sinta ... por uma boca que não minta ... por alguém que se revele sem palavras e me ame sem ressalvas

Publicado por Mabel Oliveira Teixeira - Blog Verbalizando o Silêncio

sábado, 18 de fevereiro de 2012

"Você" ou "Doutor" ? Ou seria Vossa Excelência ?

LEMBRAM DO JUIZ QUE ENTROU NA JUSTIÇA CONTRA O CONDOMÍNIO EM QUE MORA, POR CAUSA DO TRATAMENTO DE "'VOCÊ" DADO PELO PORTEIRO? 
POIS É, SAIU A SENTENÇA, LEIAM ABAIXO.
OBSERVEM A BELA REDAÇÃO, BEM ARGUMENTADA, ATÉ SOLIDÁRIA DO JUIZ ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO PARA COM O JUIZ QUE SE QUEIXA, MAS....
UMA VERDADEIRA AULA DE DIREITO E DE PORTUGUÊS!

Processo distribuido em 17.02.2005. 9º vara cívil de Niterói - RJ
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL

Processo n° 2005.002.003424- 4

S E N T E N Ç A

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de ' Doutor, senhor"  "Doutora, senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos. (...)

DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo.
Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito.

Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.

"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio acadêmico.

Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame.

Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha  obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso.

Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro , São Paulo,  Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I. Niterói, 2 de maio de 2005.

ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A VISÃO DE VERÍSSIMO SOBRE O BBB

Luis Fernando Veríssimo 
É cronista e escritor brasileiro


Impossível assistir ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros...todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB  é a realidade em busca do IBOPE.  

Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB . Ele prometeu um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas. 

Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade. 

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis? Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase sempre são mal remunerados. 
Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a isso todo dia. 

Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna. Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, Ongs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns). 

Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo. 

O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tra$$$$$$$$$ $$$$$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão. 

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores) 

Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores. Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema...., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , ·visitar os avós... , pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.