Mentes que visitam

terça-feira, 19 de março de 2013

A TRAIÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL



por Luiz Felipe Pondé

Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros.
 
Olha que pérola para começar sua semana: "Esta é a grande tolice do mundo, a de que quando vai mal nossa fortuna -muitas vezes como resultado de nosso próprio comportamento-, culpamos pelos nossos desastres o Sol, a Luz e as estrelas, como se fôssemos vilões por fatalidade, tolos por compulsão celeste, safados, ladrões e traidores por predominância das esferas, bêbados, mentirosos e adúlteros por obediência forçada a influências planetárias". William Shakespeare, "Rei Lear", ato 1, cena 2 (tradução de Barbara Heliodora).

Os psicólogos sociais deveriam ler mais Shakespeare e menos estas cartilhas fanáticas que dizem que o "ser humano é uma construção social", e não um ser livre responsável por suas escolhas, já que seriam vítimas sociais. Os fanáticos culpam a sociedade, assim como na época de Shakespeare os mentirosos culpavam o Sol e a Lua.

Não quero dizer que não sejamos influenciados pela sociedade, assim como somos pelo peso de nossos corpos, mas a liberdade nunca se deu no vácuo de limites sociais, biológicos e psíquicos. Só os mentirosos, do passado e do presente, negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas.

Mas antes, um pouco de contexto para você entender o que eu quero dizer.

Outro dia, dois sujeitos tentaram assaltar a padaria da esquina da minha casa. Um dos donos pegou um dos bandidos. Dei parabéns para ele. Mas há quem discorde. Muita gente acha que ladrão que rouba mulheres e homens indo para o trabalho rouba porque é vítima social. Tadinho dele...

Isso é papo-furado, mas alguns acham que esse papo-furado é ciência, mais exatamente, psicologia social. Nada tenho contra a psicologia, ao contrário, ela é um dos meus amores - ao lado da filosofia, da literatura e do cinema. Mas a psicologia social, contra quem nada tenho a priori, às vezes exagera na dose.

O primeiro exagero é o modo como a psicologia social tenta ser a única a dizer a verdade sobre o ser humano, contaminando os alunos. Afora os órgãos de classe. Claro, a psicologia social feita desta forma é pura patrulha ideológica do tipo: "Você acredita no Foucault? Não?! Fogueira para você!".

Mas até aí, este pecado de fazer bullying com quem discorda de você é uma prática comum na universidade (principalmente por parte daqueles que se julgam do lado do "bem"), não é um pecado único do clero fanático desta forma de psicologia social. Digo "desta forma" porque existem outras formas mais interessantes e pretendo fazer indicação de uma delas abaixo.

Sumariamente, a forma de psicologia social da qual discordo é a seguinte: o sujeito é "construído" socialmente, logo, quem faz besteira ou erra na vida (comete crimes ou é infeliz e incapaz) o faz porque é vítima social. Se prestar atenção na citação acima, verá que esta "construção social do sujeito" está exatamente no lugar do que Shakespeare diz quando se refere às "esferas celestes" como responsáveis por nossos atos.

Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros, ou não trabalharmos ou sermos infelizes. Se eu roubo você, você é que é culpado, e não eu, coitado de mim, sua real vítima. Teorias como estas deveriam ser jogadas na lata de lixo, se não pela falsidade delas, pelo menos pelo seu ridículo.

Todos (principalmente os profissionais da área) deveriam ler Theodore Dalrymple e seu magnífico "Life at The Bottom, The Worldview that Makes the Underclass", editora Ivan R. Dee, Chicago (a vida de baixo, a visão de mundo da classe baixa), em vez do blá-blá-blá de sempre de que somos construídos socialmente e, portanto, não responsáveis por nossos atos.

Dalrymple, psiquiatra inglês que atuou por décadas em hospitais dos bairros miseráveis de Londres e na África, descreve como a teoria da construção do sujeito como vítimas sociais faz das pessoas preguiçosas, perversas e mentirosas sobre a motivação de seus atos. Lendo-o, vemos que existe vida inteligente entre aqueles que atuam em psicologia social, para além da vitimização social que faz de nós todos uns retardados morais.

Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa).

NOSSA ESCOLA É FEITA PÁRA NÃO DAR CERTO



por Gustavo Ioschpe

Isso se por "dar certo" entendermos a formação de uma pessoa com as habilidades mínimas para navegar o mundo e desenvolver seu potencial
 

Empresas - tocadas como escolas iriam à falência (Iconica/ Getty Images)
 
Imagine que você trabalha em uma empresa em que os funcionários não ganham de acordo com sua competência, mas sim segundo seu tempo de casa e nível de estudo. Não há promoções, mas também só há demissão em casos de violação grotesca. Mesmo faltando repetidamente ao serviço, não alcançando sua meta ano após ano e maltratando seu cliente, você continua no posto até se aposentar. Imagine que não exista, em sua região, universidade que prepare bem para o seu emprego, de forma que você já chega ao trabalho não sabendo muito. Pior: tem gente que trabalha em área diferente daquela em que foi formada; o cara de vendas se formou em letras. Imagine que essa empresa só tenha dois cargos (funcionário e chefe) e que quase metade dos chefes tenha chegado ao cargo por indicação de um conhecido dos donos (o restante é majoritariamente eleito para a posição pelos funcionários). Imagine que os donos são muitos, que eles não costumam frequentar a empresa e que a herdaram como parte de um conglomerado, do qual a sua empresa é uma das que agregam menos valor aos donos. Imagine agora que o serviço prestado pela sua empresa é complexo e dirigido a crianças e jovens. Imagine também que essas crianças e seus pais não saibam julgar a qualidade do serviço, mas achem que está tudo bem, desde que você o empacote em uma embalagem bonita e dê aos clientes alguns brindes (uns livros, umas roupas, de repente até um laptop aos mais sortudos). A empresa consegue dar todos esses brindes; a maioria dos clientes está, portanto, satisfeita. Imagine que os clientes e seus familiares não precisem pagar diretamente pelo serviço: o pagamento vem da empresa-mãe (a que congrega todos os negócios do grupo) e é baseado na compra de outros produtos e serviços oferecidos por outras empresas do grupo.

Agora pense nesse ambiente de trabalho e responda às seguintes perguntas. Se você trabalhasse nele, estaria motivado a dar o seu melhor ou pegaria leve, esperando o contracheque no fim do mês? Como você acha que seus outros colegas de empresa se comportariam? Se lhe dessem um aumento salarial, você se esforçaria mais? Se você fosse uma pessoa carreirista, permaneceria nessa empresa? Aliás, você teria entrado nela? No caso dos chefes indicados pelos amigos dos donos, você acha que eles estariam mais preocupados em agradar aos clientes ou aos donos e seus amigos? No caso dos chefes eleitos por você e seus colegas, acha que eles comprariam briga com você para defender os interesses dos clientes ou virariam seus aliados? Presumindo que os clientes permanecessem satisfeitos e que continuassem pagando indiretamente pelo serviço, você acha que os donos se interessariam em reformar a empresa para que ela servisse melhor sua clientela, desse mais resultados? Ou será que suas prioridades seriam manter a coisa no estado em que se encontra e devotar suas energias para os outros braços do conglomerado, os que dão mais retorno?

Não sei qual o grau de sua fé na humanidade nem suas crenças na natureza humana, mas eu tendo a achar que a empresa acima seria uma balbúrdia, com profissionais desmotivados e trabalhando abaixo de sua capacidade, clientes mal atendidos, conchavos entre funcionários e chefes, donos desinteressados e pouco envolvidos. Eu acho que melhorar o salário dos funcionários não mudaria o problema. Vou além: enquanto essa estrutura de incentivos não fosse alterada, qualquer investimento numa empresa assim seria um desperdício de tempo e dinheiro. Aliás, não é uma opinião, até porque esse cenário não é hipotético nem trata de empresas. O quadro descrito retrata a maioria das escolas públicas brasileiras. Os funcionários são os professores, os chefes são os diretores de escola, os donos são a classe política, os clientes são os alunos. O resto não carece de alterações para chegar à realidade.

Aposto que você sabe que nossa educação é péssima e que esse problema é fatal para nossas possibilidades de desenvolvimento. Aposto também que você acha que esse problema não o afeta, especialmente se você põe seu filho em escola particular. Aposto que gasta mais tempo na seção de esportes do seu jornal do que naquela que cuida de educação. Se é que o seu jornal tem uma seção devotada ao assunto, já que 90% da cobertura do tema se limita a notícias sobre greves, ameaças de greve e outras reclamações salariais. E, até porque o assunto é apenas esse — dinheiro —, você acha (acha não: você tem certeza, depois de vinte ou trinta anos de leituras sobre o assunto) que o principal problema da educação brasileira é o salário dos professores. Aposto também que, dois parágrafos antes, você respondeu que aumentar o salário dos funcionários não resolveria nada, e aposto também que você gosta dos brindes (se você for mais pobre, merenda; se mais rico, lousa eletrônica ou currículo bilíngue) que a escola do seu filho dá.

Antes que os patrulheiros se arvorem, não estou querendo comparar a escola a uma empresa. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Apenas propus um exercício mental. O que espero que esse exercício tenha deixado claro é o seguinte: não é que a educação brasileira fracassa misteriosamente apesar dos melhores esforços de todos os envolvidos. Ela fracassa porque esse arranjo institucional requer a irracionalidade de todos os envolvidos, do prefeito ao professor. Nossa escola não é feita para dar certo — se por "dar certo" entendermos a formação de uma pessoa com as habilidades mínimas para navegar o mundo e desenvolver seu potencial.
 
Washington Alves/AE

O professor apaixonado - supera deficiências
 
Não faz sentido para um professor brasileiro comprar a briga: com má formação, precisaria de um esforço hercúleo para obter grandes resultados. Mas esses resultados não lhe trariam reconhecimento, promoções, prêmios ou aumentos. Não faz sentido para o aluno brasileiro se esforçar: a aula que ele recebe é extremamente chata, a maioria dos professores não está muito preocupada com o seu aprendizado, e ele sabe que, se fizer um esforço mínimo, vai continuar sendo aprovado, mesmo sem aprender bulhufas. Não faz sentido para o diretor de escola se insurgir contra essa situação e querer mudar radicalmente o status quo. Se a sua nomeação depende de eleição dos professores, ele não vai querer exigir de seus eleitores mais trabalho e dedicação, até por não ter nada a lhes oferecer em troca. Se o diretor tiver indicação política, então, Deus o livre de qualquer incômodo: o importante é dar vida fácil a todos, carregar nos "brindes" e deixar os eleitores do seu padrinho político felizes. Não faz sentido para os pais dos alunos protestar contra o atual estado de coisas, porque a maioria deles está satisfeita com a educação que o filho recebe (em pesquisa recente do Inep, a nota média dada pelos pais de alunos da escola pública à qualidade da educação do filho foi 8,6!). E a maioria está satisfeita porque não tem condições intelectuais de avaliar o que é uma boa educação, pois é semiletrada, e nem sabe que existem avaliações oficiais sobre a qualidade do ensino do filho. Finalmente, não faz sentido para o político trabalhar para melhorar a qualidade do ensino: não há pressão por parte de alunos nem de seus pais, e há uma enorme resistência a qualquer mudança por parte dos sindicatos de professores e funcionários. Politicamente, só há custos, sem benefícios. Nenhum político racional mexe nesse vespeiro.

Há, é claro, as exceções. O professor apaixonado pelo que faz, que dá duro independentemente do salário, da carreira desanimadora, dos alunos desmotivados e dos colegas que o pressionam para se aquietar. O diretor comprometido, que se orgulha de fazer uma grande escola e seleciona profissionais que comprem essa batalha. Os alunos e seus pais que querem melhorar de vida e sabem que precisam de educação de qualidade, que lutam contra a pasmaceira. E os políticos comprometidos com a próxima geração, e não com a próxima eleição. Mas esses são minoria, e o sistema está contra eles. Enquanto a lógica do sistema não for alterada, todas as ações pontuais para melhorá-lo — da lousa eletrônica ao salário mais alto — provavelmente irão para o ralo. Acredito que o quadro só mudará quando a população passar a ver a educação brasileira como ela realmente é. Somente aí poderemos esperar a pressão popular por uma educação de qualidade, que gerará incentivo para que políticos cobrem desempenho dos funcionários do sistema. Ou seja, o problema é seu. Está esperando o que para fazer alguma coisa?
 
Fonte: Revista Veja

segunda-feira, 18 de março de 2013

O Poder do Hoje



Um fato interessante ocorreu no início deste ano, no 43º Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Um painel de peritos reuniu-se para uma discussão denominada “O Líder Consciente”, em que foi explorada a importância da consciência para uma liderança de sucesso nos negócios.

Não é particularmente surpreendente o fato de que a consciência seja um tema em alta hoje em dia, não só entre esses líderes, como também nas escolas de gerenciamento de negócios ao redor do mundo. A verdade é que com todas as distrações, dúvidas, medos e responsabilidades que enfrentamos constantemente, pode ser bem difícil estarmos “presentes” nas nossas vidas diárias.

A Bíblia diz que, quando os israelitas estavam no deserto, eles recebiam alimento um dia de cada vez. O maná caía do céu todo dia, para que eles não tivessem – na verdade, para que eles não pudessem – criar um estoque de alimentos.

Uma das mensagens que essa história nos passa é que “hoje” é o único dia que conta. Aliás, se realmente pensarmos nisso, não existe neste instante nada como o “amanhã”.

Se não formos capazes de nos doar hoje, se não formos capazes de sentir uma conexão com a centelha divina que cada um de nós possui dentro de si, então precisaremos aprender o seguinte ensinamento: não podemos ficar sentados esperando pelo amanhã – um amanhã em que não estaremos ocupados, nem quando for “o momento certo” para compartilhar e para nos conectarmos com aqueles à nossa volta e com as nossas próprias almas. Como disse Johann Goethe: “Nada é mais valioso do que o dia de hoje”.

Isso não é algo que deveria ser fácil. Rav Ashlag escreveu que não existe Luz sem escuridão. Mas nas nossas vidas, em todo lugar onde estejam envolvidos esforço e luta, existe a energia da Luz.

Sendo humanos, todos nós nos defrontaremos com dúvidas e dificuldades na vida. Cada um de nós já duvidou de si em algum ponto da vida – quem somos, o que estamos fazendo, qual é a melhor forma de seguir em frente. No entanto, mesmo que não tenhamos Moisés em nossa geração para tirar-nos dessa incerteza, ainda temos ferramentas e ensinamentos espirituais que podem nos levar a uma consciência mais elevada. Só precisamos abrir um espaço espiritual a fim de usá-los.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Book - revolução tecnológica


Vale a pena a reflexão!

Apropriação Indébita


Denis Lerrer Rosenfield *
("Estadão")

A esquerda, sobretudo a de orientação marxista, em suas várias vertentes, ficou completamente desorientada após a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética. Suas bandeiras e seus princípios foram lançados por terra, mostrando uma discrepância aterradora entre a realidade totalitária e os princípios supostamente humanistas.
Um caso interessante dessa desorientação foi a apropriação operada pela esquerda da doutrina dos direitos humanos, como se fosse coisa sua. Isso é particularmente visível no Brasil. Ora, a doutrina dos direitos humanos, no século 20, foi um instrumento dos dissidentes soviéticos e dos países do Leste Europeu para reclamar do controle totalitário e autoritário seguido por seus respectivos governos.

Clamavam eles por liberdade de expressão, de imprensa, de publicação. Lutavam pelo direito de ir e vir, que lhes era proibido. Andrei Sakharov, na extinta URSS, e Vaclav Havel, depois presidente da República Checa, foram símbolos importantes dessa época.
Ou seja, os direitos humanos foram elaborados e usados contra os governos de esquerda, de modo a que viessem a aceitar uma liberdade necessária, de valor universal.

Nessa perspectiva, Yoani Sánchez, dissidente cubana e colunista do Estadão, nada mais faz do que se colocar como herdeira dessa tradição dos direitos humanos. 
Cuba, governo de esquerda tão prezado por alguns setores do nosso país, é um esbirro caribenho dos governos comunistas. Por via de consequência, os defensores da ditadura dos irmãos Castro são liberticidas que desprezam profundamente os direitos humanos.

A vergonha, usando um termo brando, das manifestações esquerdistas, com seus apoios partidários, contra a dissidente cubana mostra o quanto certos setores da esquerda em nosso país continuam presos aos dogmas totalitários do século passado. Uma visitante impedida fisicamente de falar é um exemplo de como essa doutrina, que deveria ter um valor universal, é pervertida ideologicamente.
O governo brasileiro tem uma Secretaria de Direitos Humanos. O curioso é a seleção que opera dos valores ditos universais. Se um policial morre no cumprimento do dever, o mutismo é a regra, como se não fosse algo universal.Se um invasor do MST é preso, lá vão os companheiros conclamando o respeito aos direitos humanos.Eloquente também é a omissão do governo na questão dos direitos humanos em Cuba. A contradição é flagrante.
No caso de Yoani Sánchez, o silêncio da Secretaria de Direitos Humanos é de furar os tímpanos. Será que não há nada a ser dito? Nem indignação a ser externada acerca de grupos que usam da violência para impedir a liberdade de expressão do pensamento de uma digna representante dos direitos humanos?

O outro lado da apropriação manifesta-se no uso que se tornou corrente do politicamente correto, como se fosse a outra face dos direitos humanos. O mais interessante aqui consiste nas restrições que operam na liberdade de escolha, como se fosse um valor que deveria ser relativizado em função de "bens" supostamente maiores.

Há setores da esquerda brasileira, do PT aos tucanos, passando pelo novo partido de Marina Silva, que importam o purismo religioso comportamental dos EUA enquanto símbolo da nova esquerda. Os liberals americanos, cuja tradução correta deveria ser trabalhistas ou social-democratas, para distingui-los dos verdadeiros liberals, os liberais no sentido inglês do termo, estariam fornecendo os novos parâmetros da esquerda. Não deixa de ser interessante constatar que os discursos antiamericanos vêm acompanhados da importação da ideologia esquerdizante norte-americana.

O politicamente correto brasileiro está importando as cotas raciais americanas,
apelando para posições morais, como se a solução da miséria no Brasil passasse pela introdução de uma nova forma de racialismo, discriminando, em sentido inverso, as pessoas pela cor. Pior ainda, pela autodeclaração da cor, o que aumenta ainda mais o componente ideológico dessa diferenciação/discriminação. O valor universal da igualdade entre as pessoas perde-se no ralo.
Outra importação é a das restrições à liberdade de fumar e mesmo, por extensão, as tentativas de interferência na própria produção de tabaco, produto, aliás, importante da pauta de exportação brasileira. Não se trata, evidentemente, de defender o direito de alguém dar uma baforada na cara de outro, mas tão simplesmente de guardar o respeito à liberdade de escolha de cada um em lugares adequados e separados. Marina Silva chegou a considerar a indústria do tabaco como "algo sujo", quando se trata de um setor que se caracteriza pelo desenvolvimento sustentável em sua área agrícola, cultivada por agricultores familiares.
Exemplo ainda é a campanha crescente, e que só tende a aumentar, contra o consumo de álcool, alcançando proibições draconianas na direção de veículos.
 Beber está se tornando um ato que vem a ser identificado com dano irremediável à saúde, podendo se traduzir até pela morte do próximo. Estamos voltando ideologicamente à doutrina da lei seca americana, revigorada de outra maneira pelo purismo comportamental religioso.
Mais uma questão que se encaixa nessa "cruzada" do politicamente correto é o controle quase total da liberdade de escolha dos cidadãos, no exercício legítimo - e universal - do direito à autodefesa. As campanhas em curso pelo desarmamento, deixando as pessoas de bem completamente à mercê de criminosos, num Estado incapaz de assegurar a segurança física de seus cidadãos, mostram o quanto a liberdade se está tornando um valor relativo em função de supostos bens maiores.

Os direitos humanos, tais como foram elaborados e defendidos no século 20, inclusive pelos críticos dos governos de esquerda, apresentam posições de defesa irrestrita da liberdade de escolha em todos os seus níveis, contra as ideologias coletivistas e totalitárias.

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.